17.2.15

O pelourinho de Kierkegaard

 Um pelourinho mesmo por cima dum fontanário! 
Aqui, nada se perde. Neste cenário, o exposto podia ser supliciado, deixando-o morrer à sede. Ou, em alternativa, o sangue do supliciado poderia cair diretamente na fonte, servindo de alimento aos filhos da noite.
Pena é que, com tantos vampiros à solta por esta austera Europa, o pelourinho mais não sirva do que para alvo fotográfico!
(…) Entretanto, acabei de ler O Banquete, de Kierkegaard, e se bem o compreendi, deveria tê-lo lido aos vinte anos.
Já lá vai o tempo em que fui “mancebo”. Também nunca entendi a mulher como “facécia”, e embora pudesse ter acompanhado o pensamento do Eremita, tenho dificuldade em aceitar a opção da mulher-escrava. Para alfaiate-eunuco nunca tive queda, sobretudo para aceitar a tirania da moda. Finalmente, o imperativo categórico do Sedutor pode ser aliciante, mas acaba por se tornar ridículo com a idade… e porque, para além de tudo o mais, reduz a mulher à categoria de “objeto”… 

16.2.15

Em Óbidos…



Em Óbidos, tudo pode acontecer: turismo rural junto ao Castelo e, sobretudo, a Igreja de Santiago transformada em Livraria! Pode ser que resulte, mas o culto do sagrado já teve melhores dias. Tal como eu: entrei e nada comprei!

A vila está apelativa, só que os turistas andam tesos e apressados. Ou será ilusão minha?

15.2.15

Ir a Óbidos no Domingo de Carnaval

Ir a Óbidos no Domingo de Carnaval é como mergulhar numa romaria medieval...
À entrada do burgo, os autocarros libertam centenas de romeiros, sequiosos de ginja, e que fazem da rua Direita a sua via sacra... Sorumbáticos, avançam e só sorriem quando se cruzam com alguma marafona. Na verdade, têm o tempo contado: a vida a sério está prometida mais para Sul. E antes de chegar a Torres Vedras, é necessário dar conta das marmitas e dos garrafões, condição necessária para esquecer as mágoas e libertar as grilhetas da seriedade...
Para trás, fica outro tempo: o tempo de outrora que é possível reencontrar no Museu - um tempo renascentista e maneirista, demasiado sagrado para a quadra carnavalesca...
Talvez na Páscoa, alguns dos romeiros entrem no Museu de Óbidos! A entrada é gratuita. Pode ser que, nessa altura, ofereçam uma ginjinha...
Visitação

14.2.15

O brilho difuso

O brilho difuso é o que sobra da nitidez. Ainda o arame farpado não tinha sido rasgado e já as cadeiras se dispersavam sob a calma estonteante do estio...
Os lugares de inverno sopram-nos para fora das ruas e deixam-nos presos à beira do arame farpado: há monólogos, tristes, sob lâmpadas fúnebres e, de tempo a tempo, um carro acelera... o movimento cresce, mas desaparece. 
Estamos à espera da nitidez das horas. Os olhos apagam-se e os ouvidos, inquietos, despertam. Por enquanto ainda há ruído. Mas até esse já começa a desesperar...
E depois há aquela vontade de desacertar os minutos, como se estes se deixassem enganar.
  

13.2.15

Passaram 50 anos!


Passaram 50 anos!
Em 1965, não creio que tenha sabido da ignomínia. Nem me lembro do momento em que terei tomado conhecimento. Vivia num espaço fechado onde a política não fazia parte da formação do adolescente. Só mais tarde, aprendi de cor a Constituição do Estado Novo e me alertaram para "os males" da Constituição de 1911 - os males republicanos, laicos, democráticos ou seriam outros?
A verdade é que hoje a Constituição democrática não é ensinada nas escolas nem os jovens são alertados para os males "corporativos, nacionalistas colonialistas..." da Constituição do Estado Novo.
De vez em quando, a grei de cada época lembra-se de colocar umas lápides e de baptizar uns tantos lugares com o nome das vítimas dos regimes, como se desse modo cumprisse o dever de formar gerações responsáveis e empreendedoras...

12.2.15

Nada dizer...

O tema de hoje é nada dizer ou, melhor, é evitar responder. A escrita corre por dentro, secando, a cada instante, a madeira do significante...
A madeira é de figueira, arde e não aquece... e o frio reaparece. E também o frio corre por dentro, secando a alma...
Nada dizer, nada escrever, esperar que o chicote das palavras emudeça...
Nada dizer... 

11.2.15

É apenas como o falar alto de quem lê...

Não tomando nada a sério, nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas nos abrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética mas também na expressão dos seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena objectividade ao prazer subjectivo da leitura.
                Bernardo Soares

(Escola Secundária de Camões, 11.2.2015, às 17 horas, na Sala do Conselho)


O Clube LER PARA VIVER está de parabéns! 
Levou a cabo mais uma iniciativa de leitura pública, desta vez, tendo como fio condutor o verso de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro, PELO TEJO VAI-SE PARA O MUNDO.
Sabemos, no entanto, que Caeiro prefere estar, a partir:
(...)
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Como diria Bernardo Soares, a prosa e o verso só não se anulam porque é deles que se nutre o prazer subjetivo da leitura, o que me leva a pensar que, para os membros do Clube, a verdadeira fruição, mais do que no trabalho coletivo apresentado, está no tempo de preparação do evento: na descoberta do movimento, do gesto, da cor e do som das águas subterrâneas em que os poetas habitam...

Entretanto, "o vermelho anoiteceu", terá sentido Álvaro de Campos. E talvez porque a noite, frequentemente, chega mais cedo, começo a pensar que o Clube LER para VIVER poderá ainda ter mais sucesso se, em vez de partir do Tejo, partir da ESCRITA como suporte de VIDA... mesmo quando a memória falha... 
Mas essa é a Vida de Alice...