10.7.15

Da avaliação

É cada vez mais evidente que sem avaliação não há justiça!
E também é claro que a educação para a cidadania é um pilar do funcionamento das sociedades e das comunidades...

Deste modo, pensar a avaliação sem equacionar a questão da educação para a cidadania é um erro estratégico.
Se estivermos atentos às notícias do quotidiano, percebemos que a avaliação em Portugal ocorre quase sempre à posteriori, trazendo com ela uma violenta sensação de impotência: os alunos, afinal, não aprendem os conteúdos disciplinares e os valores fundamentais; o doente mental mata a mãe que o queria tratar; o marido violento e bêbedo mata a esposa;  a floresta arde porque não é devidamente ordenada e limpa; o carro despista-se porque as ruas não resistem ao inverno; a dívida dos clubes é astronómica porque gastam o que não têm; os políticos deixam-se corromper ou corrompem, porque lhes falta a educação para a cidadania... 
Os exemplos de que a avaliação é feita à posteriori são múltiplos e todos poderiam ser minimizados, se não se descurasse a avaliação diagnóstico e a supervisão avaliativa, isto é, feita de forma imediata...

Por exemplo, as eleições legislativas aproximam-se. Os partidos começam a indicar o nome dos futuros deputados, mas ninguém sabe se os candidatos têm o perfil adequado ao serviço do nação.


9.7.15

O equívoco de Nuno Crato

Nuno Crato vem apostando na revisão dos programas e nos exames externos para promover o sucesso escolar.
Entretanto, o sucesso escolar não chega, como é comprovado pelos resultados da disciplina de Matemática no 9º ano de escolaridade.
No entanto, a maioria dos alunos irá progredir e, no próximo ano letivo, irá ser submetida a um novo programa de Matemática...
Não vou aqui comentar o novo programa de Matemática, mas creio que a sua matriz em nada difere da do novo programa de Português: um programa elaborado por pessoas certamente sabedoras, porém reféns dos objetivos, conteúdos, estratégias e até da gestão do tempo que vigoravam nos anos 60 do século passado...

Nuno Crato ainda não entendeu que, por mais que prometa os professores mais competentes de sempre, o processo de ensino e aprendizagem está ferido de morte. 
O senhor ministro nunca se preocupou com a formação de professores! O senhor ministro ignora que sem professores (homens e mulheres com valores humanistas) não é possível resolver as dificuldades de aprendizagem dos alunos.


Afinal, Nuno Crato nunca deixou de desconfiar dos professores!

8.7.15

Mas nós, em que século é que vivemos?

Alberto Caeiro morreu há 100 anos! Fantástico! 
E o Adamastor já terá morrido? E Dom Sebastião? 
Que Fernando Pessoa quisesse testar os limites da criação literária, compreende-se! Que Fernando Pessoa se divertisse a "brincar" com o provincianismo português, estava no seu direito! Mas nós, em que século é que vivemos?
(...)
E depois admiramo-nos, quando deixamos de ser capazes de distinguir os criadores das criaturas literárias! 
Bem sei que, na perspetiva de Pessoa, o Mito pode fundar a História, e até compreendo que, assim, o trabalho fica facilitado, sobretudo, quando, preguiçosamente, nos deixamos conduzir pela memória...
Só que, em termos académicos e pedagógicos, continuamos a prestar um mau serviço às novas gerações.

7.7.15

Exibição trem-trem

«Nestes tempos revoltos é incrível como certa parte da nossa sociedade vive na exibição de toilettes milionárias, no oco e vazio trem-trem do comentário da suposta elegância, na bisbilhotice da vida alheia.» Oswald de Andrade, fragmento de um diário de 1948.

Encontrei este fragmento no Diário de Notícias de 26 de abril de 1992, e decidi colocá-lo aqui, porque me parece apropriado pois que, tendo Maria Barroso falecido, o consenso encomiástico substituiu a ferocidade com que certos sectores da sociedade portuguesa habitualmente atacavam e continuarão a atacar a sua família...
Hoje é dia de panegírico,  depois de amanhã, de sarcasmo. 

(...) A morte de quem quer que seja não deveria dar lugar à exibição de sentimentos que, na verdade, não têm origem no coração. Até porque, em muitos casos, se trata de pessoas que apenas agem por interesse.

De regresso a Oswald de Andrade ( Brasil, 1890-1954), aqui deixo mais algumas palavras em que valerá a pena meditar: 

«Num país inculto como o nosso, é na incultura que se devem basear as energias do lirismo e os valores da sabedoria.»

6.7.15

Beco sem saída

Reina uma certa euforia que até se compreende. Por uma vez, o povo disse não ao eurismo. O motivo parece ser de regozijo: David derruba Golias!
David acredita que desta vez é que vai ser: os povos famintos vão unir-se e derrubar o capitalismo; o capital vai mudar de mãos...

Não se vê é como é que a mudança irá ocorrer. Primeiro, porque a solidariedade é um lema raramente posto em prática, mesmo entre os mais pobres. Veja-se o que está a acontecer aos milhares de refugiados e deslocados que todos os dias chegam às costas dos países mediterrânicos... Segundo, porque a mudança pressupõe tradicionalmente o recurso à força, e, mesmo assim, o capital acaba redistribuído entre aqueles dos vencedores que rapidamente se apoderam do poder. O povo sobrevivente fica à míngua ou, no melhor dos casos, vive durante um certo tempo a ilusão da prosperidade resultante da venda do trabalho prestado aos novos senhores.

A esta hora, muitos gregos sentem-se eufóricos, mas os bancos continuam fechados. Soberanos, os gregos não querem estender a mão, e pagar com língua de pau, mas, na verdade, caíram num beco sem saída...

E nós, uns mais otimistas, outros mais céticos, estamos à beira do mesmo beco, embora os «nossos senhores» se mostrem alinhados, os primeiros, por Golias, os segundos, por David...   

5.7.15

O carrossel

O carrossel vai quase vazio. Já houve tempo em que a criançada corria para os cavalinhos... Eu nunca fui de grandes correrias... 
Durante a infância, nunca entrei num espaço de divertimento, tipo defunta feira popular... E se entrei, contentava-me com uma ou duas rifas, quase sempre inutilidades premiadas.
(...)
A minha relação com os espaços de lazer é, afinal, a da infância dos meus filhos - um tempo que prometia trabalho, férias e dinheiro para as gozar!
Para mim, nada do que está a acontecer me surpreende ou assusta. Tenho, apenas, tristeza porque sinto que aqueles que se habituaram à abundância vão ter dificuldade em entender o que é a penúria... Vão ter dificuldade em compreender que sem trabalho não pode haver férias...

... la fonction de l'homme est changer la face du monde. Gaston Bachelard

                                                   A função do homem é mudar a face do mundo!

4.7.15

Zunga de rua em Cascais

 Hoje, fui a Cascais! Como sempre, havia muita gente nas ruas, nas esplanadas e nas praias(?), mas o que me pareceu que tem vindo a aumentar é o número de zungas.
Zungas de rua e de jardim instalam um pano, uma bancada; de pé, de cócoras ou sentados, procuram vender os mais diversos artigos. Vi de tudo: panos úteis e inúteis; artefactos decorativos; produtos hortícolas minimalistas; selos e moedas do império; candeeiros de outro tempo; livros, todos da mesma editora, que pareciam fugir de um implacável abate... até os escritores e escreventes pareciam não escapar à etiqueta: zungas de rua!   





Fiquei, no entanto, com a ideia de que a estátua do rei D. Carlos foi ali colocada não para o imortalizar, mas para nos lembrar que o número de zungas só cresce quando o país empobrece. E nem Cascais escapa!

Quanto ao termo "zunga", pedi-o emprestado a Pepetela, O Tímido e as Mulheres, 2013.