6.10.15

O asno de Buridan

«Trava-se uma luta de tracção: o futuro arrasta-nos para uma unidade europeia, o passado puxa-nos para trás. Assim, é o asno de Buridan, com fome e com sede, paralisado entre o molho de palha e o balde de água.»  José Fernandes Fafe, Nação: Fim ou Metamorfose?, pág. 86, IN-CM, 1990.

O asno de Buridan (1300-1358), de tanto hesitar acabou por morrer de fome e de sede, apesar de não constar que o filósofo medievo tivesse um asno ao seu serviço...

Assim estamos nós, portugueses, em nome de velhas ideias, insistimos em preservar mitos bolorentos. Mas não estamos sós: os estados-nações que nos cercam continuam a valorizar os interesses nacionais e, em vez de apostarem na metamorfose, criam clivagens que só podem fazer ressurgir os nacionalismos...

Perante os resultados eleitorais de 4 de outubro, os partidos comportam-se como os caducos estados-nações. E no caso particular do Partido Socialista, este, em vez de reafirmar a sua opção europeia, decidiu iniciar um processo fratricida que levará ao seu desaparecimento, tornando ainda mais sombria a necessária metamorfose portuguesa.   

5.10.15

Há quem insista em dar vivas à República

Há quem insista em dar vivas à República, atitude que eu não entendo, pois o inimigo monárquico já se encontra extinto.
Como se sabe, a República foi instaurada na sequência de um regicídio e os anos que se seguiram foram de permanente instabilidade. Uma das causas mais profundas do caos, foi a bancarrota dos finais do século XIX...
A situação era de tal modo grave que Salazar sacudiu a República e as sobras monárquicas para dentro do galinheiro durante meio século. De podre, o regime caiu, e voltámos a dar vivas à República e a uns tantos socialismos (mais ou menos radicais), importados de uma Europa a que não pertencíamos...
Essa importação parecia dar fruto, até que surgiram uns "senhores" republicanos que se foram abotoando com os fundos europeus num contínuo cenário mais ou menos mitigado de bancarrota... E o resultado está à vista: os mais afoitos estão-se borrifando para a República; outros, nostálgicos ou, em alternativa, desejosos de a esfolar, reúnem-se para celebrar o que nasceu num dia em que nada havia para distribuir...
E assim continuamos: uma canelada aqui, um fratricídio ali... e a bancarrota sempre dentro de casa, que não de todos - a grei republicana já reservou lugar para os próximos quatro anos.    

4.10.15

Em síntese

Nesta noite, só posso concluir que continuamos a ser um país de fadistas (Fado, Futebol e Fátima) e de masoquistas.
Quando a alternativa não se apresentou unida, de pouco serve procurar pontes entre os irmãos desavindos. 
(...) 
Ao  olhar para os resultados eleitorais, fica claro que há 230 portugueses que não vão precisar de emigrar nem de se preocupar com o futuro imediato.
(...) 
A austeridade, amanhã, será ainda mais dura, mas legitimada. 
(...) 
Quanto a António Costa, a esta hora já terá compreendido que «quem com ferro mata com ferro morre.»
(...) Finalmente, o eurismo venceu e a TROIKA já tem um bom aluno para apresentar como exemplo.

Face aos resultados desta noite, a insatisfação desapareceu. Apenas, náusea. 

3.10.15

Às plantas e às pessoas...

«As raízes estão sempre perto da origem e por elas entra a novidade informativa (seiva) que faz crescer a planta.» E. M. de Melo e Castro, Essa crítica louca, pág. 41, Moraes editores .

Este enunciado surge aqui como resposta a quem, ao fugir de si, se afasta da raiz, o que já é grande perda, embora não comparável com o caso daquele que, não sabendo de si, estanca a seiva de quem tudo faz para conhecer a raiz...
Às plantas e às pessoas, há que regá-las e deixá-las medrar.

2.10.15

Proclamação

Estou de tal modo informado e insatisfeito que acabo de decidir que, até domingo à noite, não vou escrever mais nada sobre todos aqueles que irão a votos no dia 4 de outubro, sem esquecer os dois fantasmas que, não podendo candidatar-se, não desgrudam e insistem em atrapalhar o ato eleitoral...

Estou pronto a votar, e como tal não preciso de atoardas de última hora, até porque, para mim, há uma fronteira que há muito decidi não cruzar. Sem ser sebastianista, ainda quero acreditar que há alguém no terreno que será capaz de não ceder ao canto mavioso das sereias que o vão cercando... e é nesse que vou votar. 

Deste modo, esclareço que não necessito nem do sábado nem da segunda-feira para qualquer tipo de exegese.

1.10.15

Estou insatisfeito

Estou insatisfeito.

Com a classe política que não cumpre o que promete, os profetas de serviço, a universidade que não zela pelos estudantes - a arbitrariedade, a indecisão, a omissão - o vizinho que não paga o condomínio, o doente que pensa que não há mais mundo, o médico taxímetro...

e, sobretudo, comigo próprio que tolero tal estado de putrefação.

Aproxima-se o dia da decisão e só vejo partidos, coligações, movimentos, todos contentes de si, mas nenhum que queira acabar com a minha insatisfação, embora já me tenha soado que há um partido que se propõe devolver a felicidade às pessoas,

isto é, pôr termo à mentira, à falácia, à arbitrariedade, ao desleixe, ao incumprimento, ao egoísmo, ao vil metal... à putrefação.

Estou insatisfeito porque, apesar de ribatejano, ainda não é desta que pego o touro pelos cornos...

30.9.15

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José

Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José é uma missão deveras difícil, sobretudo quando o número é reduzido e o dos pacientes cresce a todo o momento. 
Hoje passei cerca de 9 horas no SOS, como acompanhante, e aquilo que observei merece uma palavra de apreço. Por mais que o pessoal de enfermagem procure responder às necessidades dos doentes, estes sofrem de problemas tão diversos que só uma equipa multidisciplinar alargada poderia responder a todas a solicitações.
Qualquer mediano observador dá conta de que os doentes que ali entram são idosos, com patologias muito diferenciadas e sobretudo mal acompanhadas - onde é que andam os assistentes sociais? - e indivíduos que se debatem com múltiplos episódios, uns crónicos e outros inesperados, mas todos necessitam de uma resposta personalizada.
E essa resposta é que não acontece por falta de meios humanos, por falta de celeridade no diagnóstico e na resposta dos médicos.
Ao fim de algumas horas, dei comigo a pensar na falta dos enfermeiros que saíram do país, não só na quantidade, como, sobretudo, na qualidade...
Ser enfermeiro na urgência do Hospital de São José (como nos restantes) exige um grau de estoicismo só alcance de muito poucos... e ainda por cima o doente espera um sorriso, uma esperança imediata e até uma mentira...

Para além de todos os partidos afirmarem que defendem o Serviço Nacional de Saúde, não sei o que é que pensam fazer para tornar as urgências menos dolorosas e os profissionais que ali trabalham mais respeitados. Não estou a referir-me a condecorações, mas a condições de trabalho...