27.11.16

A posse arruína e conforta

Mesmo se desnutridos, deslavados  e engelhados, poucos são os que desprezam o luxo. Vejo-os nos passeios a olhar as montras como se a sua posse os compensasse do fracasso a que se sabem condenados...
A posse arruína e conforta. Ser o outro idealizado é tão deslumbrante que a montra deixa de ser obstáculo. Lá dentro a tentação fácil, a crédito, baila esfuziante, indiferente à sorte dos que se arrastam nas ruas e nas vielas...
Agora que o Natal se aproxima, os vendilhões ( e os seus criados) não poupam na iluminação, mesmo se os clientes desnutridos, deslavados e engelhados já não têm dinheiro para pagar a fatura de eletricidade... e vão ter que passar frio e acabar por dormir na rua...
Na quadra natalícia, o mafarrico anda à solta .

26.11.16

Tempo social

O conceito de 'tempo social' anda associado ao desenvolvimento industrial, à urbanização e ao surgimento de novas tecnologias... com início no século XIX.

Para mim, o tempo social é um pouco diferente. Vejo-o constituído por um conjunto de indicadores de uma ação externa que determina a atitude do indivíduo em qualquer idade, estando presente em todas as épocas e em todos os lugares, mesmo que o avanço civilizacional seja reduzido.
Nesta perspetiva, a ação de cada um de nós é condicionada por cronótopos distintos, em função do lugar, da idade e das instituições que nos enquadram.
Deste modo, a liberdade individual não passa de uma quimera, como bem sabem todos os rebeldes que um dia sonharam e quiseram incrementar uma qualquer forma de revolução. E por mais que nos custe, a indisciplina é, também ela, a prova de resistência ao tempo social, que, por vezes, deve ser pensado na sua pluralidade... Do sonhador Fidel de Castro nada tenho a dizer, embora ainda não tenha parado de pensar no comentador de 'política cubana' que, na RTP 1, afirmou que o americano Trump irá ajudar a "amortizar a morte de Fidel"...
AMORTIZAR A MORTE!

Enfim, em todos os atos que, hoje, executei, vejo com dificuldade que tenha iniciado algum que não fosse determinado pelo cronótopo em que me inscreveram - fazer compras, classificar testes,  ir à Cinemateca ver o filme de Raffaello Matarazzo, CATENE, estacionar num parque que me cobrou 5, 25€ por duas horas... até as lágrimas despoletadas pelo melodrama, sem esquecer este apontamento.

25.11.16

Idadismo, o que é?

- O que é o idadismo? A palavra existe?
- Sim, existe como designação de uma atitude discriminatória em relação às pessoas idosas.

No Auditório Camões, a Associação "Cabelos Brancos", criada por duas "jovens" Ana Caçapo e Luísa Pinheiro, promoveu uma "tertúlia" sobre o tema "idadismo", tendo como convidados Bernardo Barata e Carlão, distintos produtores, compositores e músicos. 
Esta atividade, incluída no PAA da Escola Secundária de Camões, visa provocar nos jovens estudantes  do ensino secundário uma nova abordagem do processo de envelhecimento.
Através de perguntas dirigidas aos convidados - "Como é que cada um pensa a sua velhice?"; "Já se imaginou velho?"; "A idade limita o exercício da profissão?"; "A vida na estrada contribui para um bom ou mau envelhecimento?" -, a moderadora procurou que a plateia juvenil se questionasse sobre a sua relação com os idosos... e também com a idade, pois parece que, afinal, sempre existe um "antes" e um "depois"... ou ainda será cedo para pensar nisso?
Não querendo deixar, aqui, nenhuma apreciação crítica, registo a boa receção das turmas presentes e, em particular, a colaboração de alguns alunos, recentemente chegados a Portugal, e com entendimentos distintos do nosso modo de encarar o envelhecimento. 

24.11.16

Não sei se é do frio...

Não sei se é do frio, mas sempre que o Inverno se anuncia, os burocratas da avaliação regressam.  Querem dar dignidade ao sistema que não se sabe se começa nas escolas e termina nos exames ou, pelo contrário, se os exames condicionam de tal modo o trabalho do professor que este não passa de uma marionete governada por "doutores", editoras, encarregados de educação, sem esquecer o pessoal de cada partido que vai ocupando os salões das fundações, dos institutos, dos ministérios, das secretarias regionais, camarárias e outras que tais...
O professor, à mercê dos interesses do momento, já não faz parte desta narrativa... a não ser que seja tão bestial que, também ele, consiga engrossar a fila dos fregueses que se preparam para dividir entre si o bolo orçamental.
Agora, são os alunos que vão ver alterados os modos de avaliação; amanhã, serão os próprios professores...
E o pior são os patinhos que acreditam que as migalhas lhes vão chegar, quando a lei, há muito, os condenou a não sair do charco... 

23.11.16

O étimo

Aluno: - Qual é que é o étimo?
Professor: - É sempre o defunto!

E ao defunto não se pede que se mova... Dos filhos, legítimos ou bastardos, já não se pode dizer o mesmo, a não ser que tenham, também eles, ficado pelo caminho.

Ora, digam lá, quem é que quer ser étimo?

«E por en tenh' eu que é mui melhor
de morrer homem mentr' lhi bem for.»
     Martim Moxa

22.11.16

Da variante africana da língua portuguesa

Na questão das variantes da língua portuguesa, começo a interrogar-me se fará sentido ensinar que há uma variante africana, designação tão genérica que pouca informação nos conseguirá dar sobre o verdadeiro resultado do contacto do português com as línguas locais.
Em territórios extensos e distantes, polvilhados de culturas diferentes, só um estado despótico poderia realizar a homogeneização da expressão dos cidadãos... Como bem sabemos, nem em todos os territórios, tradicionalmente, considerados de expressão portuguesa, há estados, democráticos ou despóticos, capazes  de assegurar a escolarização das populações...   
E mesmo que cada estado conseguisse definir uma política da língua, nunca o faria em nome de uma entidade abstrata, no caso a variante africana.
(...)
Entretanto, em Portugal, os jovens de 15 / 16 anos, que supostamente dominam a variante europeia, vão confessando, por exemplo, ao ler Ondjaki, que compreendem e falam quotidianamente a língua d' "Os Da Minha Rua"...
O que me deixa a pensar que a distante e polvilhada rua africana desagua cada vez mais nas nossas escolas, europeias e portuguesas, sem ser necessário pisar solo africano. Mas fá-lo num registo muito empobrecedor!
(...) Quanto à variante brasileira, o melhor é começar a gravar os «papos» nos centros comerciais, nos cabeleireiros, nos bares e nas fachadas dos prédios...

21.11.16

Nem sei como explicá-lo

Nem sei como explicá-lo, mas é como se o  tempo pudesse ser representado por uma casca espessa, cheia de nós cada vez mais difíceis de interpretar e, em simultâneo, por uma película tão fina que não suporta qualquer enraizamento...
Por mais que se insista que a árvore tem raízes milenares, que é necessário observar o seu crescimento e ramificação, a verdade, mesmo se provisória, é que a folha se move ao sabor da chuva e do vento, à mercê do frio e do calor.
Por um instante, a película parece ganhar consistência, mas rapidamente se perde na confusão dos dias.
Li, há uns minutos, um queixume sobre o ocaso dos amigos, e não pude deixar de pensar que a história de cada vida se assemelha ao curso da folha que já nem o rouxinol ousa travar.