3.12.17

É tudo a fingir...

É tudo a fingir, embora cheios de convicção... A arca esvazia-se do pinheiro, das pinhas, dos sininhos e até um pai natal ousa pôr o gorro de fora... Já não há burro, nem vaquinha... e a palhinha levou-a a Troika... O menino jaz distante de sua mãe, que quanto ao pai não se sabe por anda nem mesmo se existe... só na Câmara Municipal de Lisboa há dinheiro a rodos para distribuir pelos compadres e pelas comadres...
                             e depois há aquela luz toda que não pode vir de Belém mesmo que lá more um novo Apolo, que, por estes dias, deve andar a ler o Orçamento onde parece haver dinheiro para tudo... o dinheiro dos reis magos, certamente... 

2.12.17

Nesta hora de penumbra fingida

A noite cai como se tal fosse possível, o sol deixa-nos sorrateiramente, cessando de incomodar as mentes mais cinzentas, embora frequentemente estas prefiram a torreira solar...
Hesito. Talvez eu quisesse dizer mentes grisalhas, mas a verdade é que as mentes não podem ser nem cinzentas nem grisalhas. As cabeças é que vão ficando grisalhas... e supostamente, as mentes vivem nas cabeças, não se sabe bem se sob forma de uma qualquer substância se sob forma de ideia... o que me traz nova preocupação: será que a ideia poderá ter forma?
Até agora, para além das velas dos moinhos de D. Quixote, só as criaturas inventadas por Fernando Pessoa é que vão ganhando tal forma e substância que há quem as veja nas esquinas e nos cais de Lisboa - há mesmo as que já apanharam o elétrico e foram vistas a falar com outras criaturas estranhas, vindas desse país longínquo a que costumamos chamar estrangeiro...
Nesta hora de penumbra fingida, não me importava nada de, simplesmente, estar de chegada ou de partida desse país estrangeiro, onde as mentes serão certamente menos cinzentas... 

1.12.17

Apesar da data

Ainda há quem não consiga escrever sobre a notícia de última hora. A reação, por motivos que, agora, não vale a pena escrutinar, não se materializa em signos que possam ser lidos de imediato... O sentimento pode ser tão contraditório que o pesadelo se autonomiza do sujeito e, qual fantasma, fica a rondar por tempo indeterminado...
Mais vale que o rio siga o seu curso, indiferente à vaidade humana...

Infelizmente, não é o que acontece na maioria das situações - parece que todo o estímulo exige uma resposta imediata, mesmo que sobre o assunto nada se saiba...
Melhor seria que se assumisse o desconhecimento e, sobretudo, que houvesse disposição para gastar algum tempo a investigar...

(Enquanto uns dão vivas a Portugal na Praça dos Restauradores, eu esforço-me por destrinçar as calinadas que se amontoam sob os meus olhos...)

30.11.17

Encómios da Hora

O vento e o frio argumentam melhor do que eu. Impassíveis, ouvem as exigências e depois movem-se sorrateiramente, sorrindo dos planos e dos seus autores.
Eu, pelo contrário, reajo - alerto para as discrepâncias de comportamento, comparo o dia de ontem com o de hoje, sem qualquer sucesso. A não ser, refrear o argumento, impondo uma regra - Não sejas burro!
Afinal, tudo o que fora exigido foi derrotado pelo tempo... 
Entretanto, Átropos segue inexorável: - desta vez, foi o Zé Pedro (dos Xutos & Pontapés)... e a nação mergulha em encómios da Hora...

29.11.17

A notícia atravessa-se

Pode ser que o frio justifique o adiamento, só que o esquecimento provocado pela manhã passada no cabeleireiro é preocupante... de qualquer modo, o problema parece ser o plural de 'ancião' - anciãos, anciões e anciães... Por outro lado, o mostrador do smartphone está transformado num campo de batalha em que os ícones são varridos sem apelo nem agravo.
(...)
A meio da tarde, a notícia atravessa-se - Belmiro de Azevedo morreu aos 79 anos. De súbito, nas televisões, os comentadores elogiam-lhe o espírito empreendedor, o desprezo pela classe política...
A pulso, enriqueceu, tornou-se um dos homens mais ricos de um dos países mais pobres da Europa, só que Átropos não distingue a riqueza da pobreza humana...
(...)
De manhã, a mesma substância de que o raciocínio anda arredio...
Entretanto, a viagem a Budapeste esfumou.se. Há pulsões que deveriam ser interditas! Até porque ficam caras...

28.11.17

Se andasse para trás

...
confirmava se a gabardine que já foi minha está em condições de suportar o frio de amanhã que a chuva essa já estará de partida...
verificava se 50 euros, em numerário, serão suficientes para pagar a pintura do cabelo e outras alfaias achinesadas que irremediavelmente se aprestam a saturar-me a casa...
voltava a retirar o automóvel do pátio assombrado por viaturas dimensionadas para as grandes avenidas e precipitava-me para a boca do Metro de Moscavide...
enfrentava  a embalagem de carne picada e transformava-a num esparguete à minha moda de que ninguém se queixa, provavelmente excesso de educação....
regressava ao pacote de testes, ordenava-os, classificava a primeira pergunta do I grupo e o II grupo, num critério absurdo, mas de quem está a apalpar terreno deveras conhecido, embora aqui e ali surja uma surpresa - ou será uma esperteza...
espreitava o Facebook a verificar se em Hamburgo a vida decorre sem sobressaltos - chove e a temperatura continua a baixar... e a senhora Merkel andas às voltas com um Governo improvável - quem diria que a Germânia regressava ao tempo dos godos...
consultava o OGE 2018,  para me assegurar que para o ano a minha situação laboral e financeira  irá agravar-se, ao contrário do que apregoam as forças esquerdistas que pensam que sem pagar aos credores é possível penalizá-los...
explicava pacientemente que o bulício de Bernardo Soares é diferente do de Cesário Verde e que vale a penha saber-lhe o significado e que quando o semi-heterónimo se quer coevo do Poeta da cidade, ele se está imaginar contemporâneo, mesmo que o meu interlocutor também necessite de perceber que eu e ele somos contemporâneos porque habitamos o mesmo tempo...
ou, então, aproveitava para elucidar que a angústia é, afinal, a expressão de um medo (phobos) sem objeto e que vive paredes-meias com a ansiedade... e talvez, assim, alguém compreendesse que a angústia é um luxo relativamente recente - há quem diga que surgiu nos finais do séc. XVIII...
e, claro, se andasse para trás, talvez, em vez de fazer o caminho das Olaias, tivesse preferido a Rotunda do Relógio - que ele são vários... e eu sou só um...

27.11.17

The best!

Começa por perguntar as horas.
Como se o silêncio o perturbasse, passa a mão pelo cabelo, e pergunta pelas cotações...
Volta a perguntar as horas... para segundos mais tarde, se afirmar como ' the best', prometendo obter a nota máxima...
À direita, procura cumplicidade na confirmação das respostas...
A colega da frente irrita-se com a verborreia pré-verbal do hiperativo postiço; os restantes sorriem como se nada houvesse a fazer...
Regressa às horas, como se quisesse confirmar que o tempo parara e pergunta se lhe concedo mais tempo...
Pergunta inútil, pois não sou o dono do tempo...
Entretanto, mergulha no enunciado...