21.4.19

Um dia que fugiu do calendário

Tudo um pouco diferente, sem chuva nem vento, com alguma família mais ou menos azafamada.
Um dia de árdua satisfação, apesar do peso nas pernas e da leve irritação que me assalta as meninges - mesmo agora me vi forçado a destrinçar quem era o Mário Emílio Forte Bigotte Chorão, tudo porque José Régio o menciona na sua correspondência… Começo a pensar que o Régio seria hipocondríaco, versão portuguesa do amado Marcel Proust.
Olho para o que falta, e pressinto que a azáfama ainda não terminou. Os dias de festa são assim: há uns que aproveitam e outros que amargam.
(…) E agora que é tempo de Páscoa, mandou o governo devolver o IRS que cobrou indevidamente…
Ou como escreveu Saramago: «Agora que veio o tempo da Páscoa, o governo mandou distribuir por todo o país o bodo geral, assim reunindo a lembrança católica dos padecimentos e triunfos de Nosso Senhor às satisfações temporárias do estômago protestativo.» O Ano da Morte de Ricardo Reis, pág. 306, Porto editora.

20.4.19

Chegada à Portela

Chegada ao aeroporto da Portela, logo perguntou pelo mar - pela cor, pela areia, pela água…
Partimos de imediato para a Ericeira. Chegámos rápido, com a sensação de que a chuva de abril poderá vir a ser insuficiente - apesar do amarelo e do verde, a terra parecia seca, arenosa.
Na Ericeira, muita gente espraiava-se pelas ruas, pelas amuradas e pelas esplanadas… e alguma, deitada nas exíguas línguas de areia, desfrutava o sol e o vento da tarde deste ameno sábado.
(A penumbra esbatera-se!)
Ela desceu ao areal, mergulhou, por momentos, os pés nas águas atlânticas, e regressou em silêncio como se São João Batista acabasse de a libertar de todas as impurezas da Alemanha imperial…

19.4.19

Penumbra

A única palavra-síntese que me dá conta da luz do dia é 'penumbra'. 
Lá fora, o rio-cinza espreguiça-se, incapaz de seguir o seu destino. Preguiçoso, contorna a única língua de terra que avisto, embora a afirmação não seja totalmente verdadeira, pois uma via rápida dá-me conta do fluxo do trânsito que se dirige maioritariamente para Sul… para lá da penumbra…
Nesta sexta-feira, para uns tantos, santa, eu até gosto desta quase sombra, prenúncio de acalmia mesmo se efémera.
E se, afinal, a ressurreição mais não fosse do que a passagem da luz para a sombra? 
Sei que a hipótese é um pouco herética, mas já estou cansado de tanta 'aleluia'...

18.4.19

Mais perto do chão

Nada tem avançado, mas dizem-me que estou mais perto.
Talvez por isso, hoje decidi aspirar a casa. O Kirby foi contemplado com dois novos acessórios, o que me levou a querer pô-lo à prova. 
A publicidade diz que o Kirby é o Ferrari dos aspiradores! Pensa-se que com ele 'tudo será mais fácil, tudo será mais rápido, mais leve', mas, no meu caso, não tendo recebido formação - na rua dos Soeiros, Lisboa, propuseram-me umas aulas para melhor manuseamento do protótipo - acabei derreado…
Estou mais perto do chão… Porém, não estou só! 
Ainda ontem, ouvi que a Ilha da Madeira não dispunha dos sacos funerários necessários, apesar dos milhões gastos em fogo de artifício no Funchal.
Em 2018/2019, foi estabelecido um novo recorde madeirense, com mais de 174.000 fogos de artifício lançados com um total de 26 toneladas de explosivos.

17.4.19

Não se incomodem!

Uns pagam o mínimo possível e ninguém lhes põe a vista em cima.
Outros são mal remunerados, são manipulados… dizem o que lhes mandam: todos adoecem, têm família, e nesta páscoa querem um futuro melhor; na próxima logo lhes dirão o que fazer…
O governo zela pelo cumprimento da lei da greve, mesmo que esta afecte sectores vitais da atividade económica, da vida doméstica - os indicadores apontam todos na mesma direção: não incomodar o capital, público ou privado.


16.4.19

Oremus pro nobis!

Dentro de cinco anos, a catedral de Notre Dame estará restaurada. Os milhões de euros necessários não faltarão. Os ricos já estão a reservar o lugar na catedral e no céu, e os pobres também querem ajudar para garantir a vida eterna… 
Cá nesta vida, daqui a cinco anos, as vítimas do Ciclone Idai já terão morrido ou continuarão sem habitação, sem pão, sem educação, sem os devidos cuidados médicos...

15.4.19

A Catedral

«Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois não se dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente.» Álvaro de Campos

A catedral arde em Paris.
Não resiste à voragem do fogo e, provavelmente, à imperfeição humana, para lhe não chamar incúria ou mesmo malvadez…
A hora é de emoções para muitos.  A hora é solene para uns tantos… mas, neste caso, fingir (não) é conhecer-se…

«Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser. // Fingir é conhecer-se.»