14.6.19

Um assunto anódino

Afinal, mesmo vazio, o cacifo mantém o odor. A quê? Não sei.
Na paragem de autocarro, hoje, havia outros cheiros que não me impediram de apanhar o 783 para o Prior Velho - destino dele, que o meu passou a ter uma componente pedestre, o que até faz bem, dizem, à saúde, mas agrava o estado das varizes… 
Até aqui o assunto é anódino e as hipóteses de o melhorar são escassas. 
De manhã, ainda pensara que a prioridade era Ler. Ler livros. Livros antigos que os atuais são fúteis, mentirosos e estéreis… Ler Homero, Platão, Sófocles, Horácio, Virgílio, Santo Agostinho… até chegar a Goethe… e ficar por aí até ter coragem para retomar a leitura dos antigos. Molière, Vicente, Shakespeare… e Camões, mas bem longe das salas de aula, isto é, bem longe do Paço, talvez nas margens do Tejo ou na serra da Arrábida… 
E depois, esqueci a prioridade e fiquei à espera que o Vara cumprisse o que prometera, que era não falar, mas falou sem saber se a prioridade era o ovo ou a galinha, o que me fez recordar que o Luandino Vieira um dia, no Tarrafal, também se esmifrou a tentar explicar se o ovo era da dona da franga ou da vizinha grávida proprietária do terreiro onde o traseiro largou o dito.

13.6.19

O perfume dos santos populares

É como se os olhos e os ouvidos se tivessem retirado. O que vejo esfuma-se e o que oiço é tão soez que prefiro esquecê-lo… 
De permanente só o odor, por vezes, perturbador. Nas mãos, há sempre o vestígio de presenças persistentes. Até o nariz parece querer impor um cheiro específico, indizível.
Ultimamente, a memória persegue-me com situações que não sei como tratar.
A semana passada, avisado de que iria ser necessário esvaziar um cacifo, entusiasmei-me porque vi na necessidade a oportunidade de o libertar de uma fragrância desagradável que se tinha acumulado em mais de vinte anos - o papel acumulado agredia-me as narinas sem eu saber porquê… Agora que o depósito está quase vazio, a perturbadora sensação desapareceu. Abro o armário, e nada…
Ontem, chegado à paragem do 783 no Saldanha, já aborrecido com o ferrugento placard que nada instrui, sentei-me num banco e, de súbito, lá estava o odor… um odor de quem não toma banho ou de quem não teve oportunidade de se lavar ou, simplesmente, de quem abomina a água… O impacto foi de tal ordem que preferi deixar seguir o autocarro com o meu incómodo vizinho.
Entretanto, vou-me apercebendo que os espaços coletivos estão cada vez mais impregnados dos mais diversos cheiros e que os temo de uma forma, talvez, doentia…
De momento, não consigo libertar-me do perfume dos santos populares. 

11.6.19

Velhacaria

Nem precisavam de conversar! 
Todos sabiam ao que iam! Agora, tratam-se de velhacos desconhecidos…
E confiam na nossa falta de memória...

10.6.19

10 de junho de 2019

Não sei se este 10 de junho foi diferente do dos anos anteriores. Mudaram os oradores, mas os protagonistas continuam os mesmos… Poucos se atrevem a subir ao palco, apesar de um outro sapateado fervoroso, mas mentiroso…
O Presidente Marcelo continua sem saber de quantos «portugais» Portugal é composto e, mais grave, ainda se rege pelo mapa do império - tudo em nome da lusofonia!

9.6.19

Das duas odes, prefiro esta

Sofro, Lídia, do medo do destino.

A leve pedra que um momento ergue

As lisas rodas do meu carro, aterra

        Meu coração.

Tudo quanto me ameace de mudar-me

Para melhor que seja, odeio e fujo.

Deixem-me os deuses minha vida sempre

        Sem renovar

Meus dias, mas que um passe e outro passe

Ficando eu sempre quase o mesmo, indo

Para a velhice como um dia entra

        No anoitecer.
            Ricardo Reis

Das duas odes que Fernando Pessoa atribuiu a Ricardo Reis, prefiro esta sobre o medo do destino. Não se trata de medo, mas, nesta fase, não sinto qualquer necessidade de sobressalto, de aceleração… Prefiro que o minuto dure sessenta segundos, nem mais nem menos… E as pedras do caminho, passo bem sem elas.
Sobretudo, sofro que queiram que eu mude de máscara de acordo com as conveniências. 

8.6.19

Peixe com história por contar

Provavelmente, este peixe é da estirpe daqueles que tiveram paciência para ouvir o franciscano António ou o jesuíta Vieira…
No presente caso, o peixinho, na tentativa de descobrir em mim um despertador de consciências, acabou fotografado frontalmente… Creio que, mais do que curiosidade, o que ele me pedia é que o libertasse daquele fluviário de Mora tão distante do oceanário de Lisboa…
Se eu o tivesse trazido comigo, talvez se passeasse a esta hora pelo Parque Eduardo Sétimo e por lá encontrasse outros pregadores…

7.6.19

Olá, por aqui!

Publio Terêncio Afro terá deixado escrito, uns 150 anos a.C - Homo sum: humani nihil a me alienum puto. Tradução pessoal - Sou homem: penso que nada do que é humano me é estranho.

Talvez seja verdade! No entanto, a não ser que feche os olhos e os ouvidos, começo a duvidar da universalidade da máxima. E também não sei se estou preparado para me metamorfosear de todas as estirpes com que me cruzo…
Há dias em que não me importo de ser eu o estranho, apesar de não resistir a saudar: - Olá, bom dia, boa tarde...