13.6.19

O perfume dos santos populares

É como se os olhos e os ouvidos se tivessem retirado. O que vejo esfuma-se e o que oiço é tão soez que prefiro esquecê-lo… 
De permanente só o odor, por vezes, perturbador. Nas mãos, há sempre o vestígio de presenças persistentes. Até o nariz parece querer impor um cheiro específico, indizível.
Ultimamente, a memória persegue-me com situações que não sei como tratar.
A semana passada, avisado de que iria ser necessário esvaziar um cacifo, entusiasmei-me porque vi na necessidade a oportunidade de o libertar de uma fragrância desagradável que se tinha acumulado em mais de vinte anos - o papel acumulado agredia-me as narinas sem eu saber porquê… Agora que o depósito está quase vazio, a perturbadora sensação desapareceu. Abro o armário, e nada…
Ontem, chegado à paragem do 783 no Saldanha, já aborrecido com o ferrugento placard que nada instrui, sentei-me num banco e, de súbito, lá estava o odor… um odor de quem não toma banho ou de quem não teve oportunidade de se lavar ou, simplesmente, de quem abomina a água… O impacto foi de tal ordem que preferi deixar seguir o autocarro com o meu incómodo vizinho.
Entretanto, vou-me apercebendo que os espaços coletivos estão cada vez mais impregnados dos mais diversos cheiros e que os temo de uma forma, talvez, doentia…
De momento, não consigo libertar-me do perfume dos santos populares. 

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