7.6.20

A porta

Ela estava lá, mas não tenho memória de a ter transposto. Agora dá para um parque de estacionamento… Outrora, ali, joguei à bola ou melhor arrasei as canelas de quem ousava aproximar-se das redes…
Desse tempo, a única  recordação futebolística que mantenho é a do impacto da bola na muralha fernandina.
A porta invisível era substituída pela porta dos fundos, por onde se entrava e saía, já que a porta principal estava reservada a gente mais graúda e de subida etiqueta. 
Lá dentro, tudo obedecia a uma ordem divinamente estabelecida… Do que consigo enxergar do atual Paço Episcopal, creio que o amadorismo dos últimos anos deu cabo da singularidade do edifício… à exceção da fachada e da Igreja do antigo colégio jesuíta - talvez seja ainda fruto da passagem do exército napoleónico!

5.6.20

Surpresa

Sentei-me. À direita, o Seminário, agora Paço Episcopal… Ao lado, a Igreja da Piedade. À esquerda, o Convento de S. Francisco. Na retaguarda, a Escola Prática de Cavalaria… sem Salgueiro...
Em frente, uma placa - O MIRANTE - o único jornal regional digital que leio diariamente…
Se alongar a vista, posso imaginar todo o território - do Largo Sá da Bandeira às Portas do Sol; do Tribunal à Praça de Toiros… e ver o Tejo, em tempos abundante, e por ora cada vez mais assoreado…
Tudo o que vejo e não vejo surge reconfigurado, com ares de moderno, mas também abandonado, como acontece com o Cineteatro Rosa Damasceno… Pobre Santareno!
Aqui sentado, continuo a vaguear pelas ruas estreitas repletas de igrejas vazias em que uma  ou outra Senhora me vai convidando a visitar os altares, imaginando-me forasteiro inesperado, qual Cabral chegado do Brasil...
E là ao fundo, à esquerda, o Liceu Sá da Bandeira em dia exame, para lá de Santa Clara… sem esquecer que, um dia, o Passos terá guiado o Garrett a um jardim só mais tarde desenhado…  

4.6.20

Se recuar um pouco mais...

… antes das palavras… antes do significado das palavras…, reconheço que o silêncio era uma aspiração, porque o quotidiano era de trovoada, ora súbita ora fermentada…
O silêncio, que também aterrorizava, era nesse tempo um refúgio, sem qualquer valor mítico que mais tarde lhe pudesse ser atribuído…
E as palavras, quando chegaram, eram falsos deuses atirados à toa num combate antecipadamente perdido, o que explica que se tenham tornado ocas e postiças…, apesar das analogias, fracas.

3.6.20

Da frivolidade e não só...

A frivolidade consiste em falar por falar, sem objeto, sem finalidade, sem ter nada para dizer. Manuel Maria Carrilho, Pensar o Mundo, vol.I, pág. 153

Alimentar um blogue é ser frívolo, já que tudo convida ao silêncio - a lição inicial.
A razão ainda me convida a regressar ao começo, a esmiuçar o que se passou antes de certos empurrões - a analisar. Faltam-me, no entanto,  as evidências. Apenas conjeturas, hipóteses. 
As palavras revelam-se  incapazes de dar conta se os atos foram voluntários ou somente respostas defensivas, como se a vida corresse a cada momento sério risco…
Correr atrás das palavras de nada serve, apesar de elas terem o dom de nos devolver alguma dignidade ou, em contrapartida, de expressar a nossa monstruosidade.

31.5.20

De costas

De costas e a cismar. Em quê?
Nos estafermos que proliferam por esse mundo fora…
Em comum, a falta de educação.
Em comum, o narcisismo.
Em comum, a megalomania.
Em comum, a vaidade.
Em comum, a vontade de destruir os valores que todos deveríamos prezar.

30.5.20

É estranha a vida neste final de maio!

Como se tivesse chegado a hora de redigir o testamento da burocracia cívica, os atos ordenam-se numa vertigem desinteressada…
De regresso à rua, o que mais enfeitiça é o jacarandá… o resto são vidas paradas e mascaradas, como se o todo tivesse desaparecido: fragmentos olham os teslas em movimento silencioso e pesaroso. 
Fujo do calor, incomodado, sem saber explicar por que motivo o termómetro do meu corpo regista 35 graus. E volto à leitura de textos filosóficos sem conseguir pensar o mundo…
Falta-me o método zetético! Já nem o mundo consigo julgar… E sobram-me os estafermos!

28.5.20

Um alerta descabido

Ana Mendes Godinho: “Com este Governo, os jovens não serão aconselhados a emigrar”

Talvez! Mas qual é o plano de reestruturação da economia nacional capaz de os integrar numa vida ativa e digna? Qual é o plano de formação capaz de os libertar do trabalho precário e mal remunerado?
O próprio conceito de emigração é falacioso, pois há muitas áreas de atividade em que o trabalho pode ser realizado sem deslocalização. Provavelmente, uma parte dos jovens mais empreendedores acabará a trabalhar para entidades transnacionais sem sair de casa…
Sozinhos não iremos a lado nenhum e os jovens muito menos!
A emigração, na maioria dos casos, sempre significou servidão, porque os emigrantes apenas são reconhecidos se forem pau para toda a obra, como aconteceu na Europa do pós-guerra ou mais recentemente, apesar da apregoada excelência dos nossos jovens…