8.3.23

O imprevisto facilmente previsível

Nem tudo acontece como estava previsto. A Susana chegou, mas num voo com cerca de duas horas de atraso.
O jantar foi substituido pelo almoço de amanhã, só que eu entro em jejum às nove horas da manhã... A extração de uma catarata assim o impõe.
Casos há em que as palavras andam desfasadas da realidade. A pontualidade já teve melhores dias!

6.3.23

Pedra na árvore do jardim

 

O jardim é publico, bem cuidado.
Atravessado por crianças a caminho do parque infantil e do parque escolar. Frequentado por adolescentes em fase de rebeldia. Aproveitado por quem quer alongar a passada ou simplesmente caminhar ... Espaço de convívio canino, por vezes, excessivo...

No entanto, há tempos que vislumbro, entre os ramos nus da estação, uma pedra, como se de um ninho se tratasse, alapada. Sempre que passo, pergunto-me se algum zelador do jardim a terá removido... Não: ela continua, segura e indiferente...

Já pensei que a pedra, afinal, só existirá na minha imaginação...  Será que só eu é que a consigo ver?

5.3.23

É triste

É triste que um país pobre, incapaz de proporcionar condições de vida razoáveis aos seus naturais, queira fazer figura de rico.
A partir de agora, ao que parece, entrar em Portugal é ainda mais fácil do que já era. Nem vale a pena olhar para a paisagem humana que se vai espalhando por um território, onde não se aplicam as leis de um verdadeiro estado de direito.
Importamos miséria e multiplicamo-la, irresponsavelmente, e ainda nos vangloriamos. É uma tristeza!

27.2.23

Uma sensação de desnorte

 

(Foto da Praça da Figueira. É pena que assim a tenham baptizado, pois anteriormente era conhecida como Praça da Erva, topónimo bem mais adequado aos dias de hoje...)

De vez em quando, atravesso a Baixa lisboeta e fico, sempre, com a mesma sensação: quase deserta, frequentada por turistas com pouco dinheiro e por vendedores de boteco ou de rua que esperam que os ajudem a salvar o dia, sem esquecer os que por ali preguiçam à espera nem eles sabem do quê.
E claro, há sempre obras erráticas. Não se vislumbra nenhum plano de intervenção global no espaço pombalino. Cada empreendedor intervém a seu belo prazer, indiferente ao passado e ao futuro daquele território. 
Fico, sempre, com a sensação de que o 'coração' da cidade está doente e que, aos poucos, vai definhando.
Apetece-me apontar o dedo ao  jurisconsulto João das Regras, dizendo-lhe que ele é o culpado desta pasmaceira, pois, ao legitimar a fundação da dinastia de Avis, alterou, de forma irremediável, o curso da História. No entanto, quem o conheceu diz que o homem era muito inteligente. Pelo menos, Fernão Lopes soube tomar partido da sua argumentação...  D. João I  soube recompensá-lo principescamente, tal como fez com Nuno Álvares. 
Não podia ser de outro modo! Ontem como hoje! 
Os professores, esses, podem esperar...

23.2.23

Do arrependimento

Passado o Carnaval, pensar-se-ia que o arrependimento começaria a imperar. Mas nada disso!
Não encontro notícia de alguém que se arrependa do que quer que seja. 
A litigação é uma forma de vida... 
Mesmo que o morto fique impedido de prolongar as disputas, os sobrevivos criam novos litígios, sempre à espreita do benefício...
Por isso o melhor é esquecer, de vez, a penitência...

21.2.23

Sobre o Carnaval

 

«A Igreja Católica inventou o Carnaval de três dias, seguido da Quaresma, para dar cabo d'As Maias demasiado primaveris e libertinas...»

Perante práticas pré-cristãs, a Igreja Católica promoveu alterações que permitissem ligar o período carnavalesco com a Quaresma. Uma prática penitencial preparatória da Páscoa, com jejum, começou a definir-se a partir de meados do século II; por volta do século IV, o período quaresmal caracterizava-se como tempo de penitência e renovação interior para toda a Igreja, por meio do jejum e da abstinência. Tertuliano, São Cipriano, São Clemente de Alexandria e o Papa Inocêncio II contestaram fortemente o carnaval, mas no ano 590 a Igreja Católica aprova que se realizem festejos que consistiam em desfiles e espectáculos de carácter cómico. No séc. XV, o Papa Paulo II contribuiu para a evolução do Carnaval, imprimindo uma mudança estética ao introduzir o baile de máscaras, quando permitiu que, em frente ao seu palácio, se realizasse o carnaval romano, com corridas de cavalos, carros alegóricos, corridas de corcundas, lançamento de ovos, água e farinha e outras manifestações populares. Sobre a origem da palavra carnaval não há unanimidade entre os estudiosos, mas as hipóteses “carne vale” (adeus carne) ou de “carne levamen” (supressão da carne) remetem para o início do período da Quaresma. A própria designação de entrudo, ainda muito utilizada, vem do latim ‘introitus’ e apresenta o significado de dar entrada, começo, em relação a um novo tempo litúrgico. Os católicos de todo o mundo começam na quarta-feira a viver o tempo da Quaresma, com a celebração das Cinzas, que são impostas sobre a sua cabeça durante a Missa.

17.2.23

À lereia

(Brasil) Lereia: conversa inútil, estéril, oca, sem nenhum resultado prático; conversa fiada, conversa mole; léria

Dando seguimento ao conceito, transcrevo o seguinte pedaço de prosa (ou naco, se preferirem) de João Guimarães Rosa, Primeiras estórias:

«À lereia, aquilo, que não se entendendo por carecido ou útil, antes talvez achassem em tudo ação de desconcernência, ar na cachimônia, tolice quase, a impura perfunctura.»

Dizem-me que o livro é extraordinário e eu, que nada compreendo do que se passa neste planeta, começo a pensar que é verdade. 
Desligo a televisão, o portátil, silencio o telemóvel, tento sossegar a gata, enganando-a com antecipação do jantar, o que significa que assim janta duas vezes, e sento-me a ler as Primeiras estórias. Faço-o demoradamente, procurando a sequência direta das palavras, interrogando-me sobre a minha ignorância lexical ou, em alternativa, sobre a arte combinatória de João Guimarães Rosa. 
E curiosamente, se nada compreendo do que se passa no planeta, pouco entendo da estória que me é ofertada, o que me faz pensar nos tempos de incompreensão em que o corpo e o sangue de cristo se elevavam perante os meus olhos como promessa de comunhão redentora...
Há, no entanto, na estória NADA E A NOSSA CONDIÇÃO, uma frase cujo o significado não me é indiferente:

«- Pai, a vida é feita só de traiçoeiros altos- e - baixos? Não haverá para a gente, algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?» E ele, com muito caso, no devagar da resposta, suave a voz: - «Faz de conta, minha filha... Faz de conta...»