17.2.23

À lereia

(Brasil) Lereia: conversa inútil, estéril, oca, sem nenhum resultado prático; conversa fiada, conversa mole; léria

Dando seguimento ao conceito, transcrevo o seguinte pedaço de prosa (ou naco, se preferirem) de João Guimarães Rosa, Primeiras estórias:

«À lereia, aquilo, que não se entendendo por carecido ou útil, antes talvez achassem em tudo ação de desconcernência, ar na cachimônia, tolice quase, a impura perfunctura.»

Dizem-me que o livro é extraordinário e eu, que nada compreendo do que se passa neste planeta, começo a pensar que é verdade. 
Desligo a televisão, o portátil, silencio o telemóvel, tento sossegar a gata, enganando-a com antecipação do jantar, o que significa que assim janta duas vezes, e sento-me a ler as Primeiras estórias. Faço-o demoradamente, procurando a sequência direta das palavras, interrogando-me sobre a minha ignorância lexical ou, em alternativa, sobre a arte combinatória de João Guimarães Rosa. 
E curiosamente, se nada compreendo do que se passa no planeta, pouco entendo da estória que me é ofertada, o que me faz pensar nos tempos de incompreensão em que o corpo e o sangue de cristo se elevavam perante os meus olhos como promessa de comunhão redentora...
Há, no entanto, na estória NADA E A NOSSA CONDIÇÃO, uma frase cujo o significado não me é indiferente:

«- Pai, a vida é feita só de traiçoeiros altos- e - baixos? Não haverá para a gente, algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?» E ele, com muito caso, no devagar da resposta, suave a voz: - «Faz de conta, minha filha... Faz de conta...»

Sem comentários:

Enviar um comentário