29.5.24

Por cumprir...


As amoras não chegam a amadurecer: os pássaros comem-nas todas.
Neste caso, a culpa não é das amoreiras: os pássaros não quiseram ou não puderam esperar.
Deve haver uma ordem superior que permite este incumprimento, e que as amoreiras não podem contestar.

No debate político, há muitas acusações de incumprimento, mas raros são aqueles que responsabilizam as aves famintas ou, em último caso, o superior interesse de forças que vivem em negras nuvens....

Por ora, as promessas abundam, como se as amoreiras estivessem obrigadas a ceder os frutos... talvez seja por isso que há tantas árvores que não chegam a frutificar.

27.5.24

Agostinho da Silva

RTP arquivos

 «Aqui o que presta é o povo, as elites não valem nada.»


Por Guilherme de Melo, Diário de Notícias 9 de abril de 1993

Foi no decurso da década de 80 que Agostinho da Silva emergiu do relativo esquecimento em que (injustamente) o haviam mergulhado e se tornou figura imprescindível em tudo quanto nesta cidade significasse debate, seminário, encontro de cultura…

Encontro de G. M. com Agostinho da Silva no 3ºandar da travessa do Abarracamento de Peniche, ao Príncipe Real, onde há quase 25 anos habita. Ali reside desde 1970, após o seu regresso do Brasil, onde viveu durante os largos anos do regime salazarista.

No Brasil trabalhou com muitas personalidades, entre elas, o embaixador brasileiro em Lisboa, José Aparecido, e Jânio Quadros (presidente do Brasil, em 1961 – renunciou ao cargo) … «o Jânio apostou tudo na maneira o Brasil e África se poderiam interpenetrar».

A. S. defende que é «na força e sentir do povo que está de facto o que um país é ou que não pretende ser.» Defende que uma «reformulação de Portugal não vem como alguns pensarão, nem de Belém nem de São Bento, vem das freguesias.»

Por aqueles dias, traduzia Vergílio e Horácio.

A utopia de Agostinho da Silva: a) o sonho de um triângulo atlântico que ligasse Lisboa Luanda e Rio de Janeiro. B) a escola deveria ser um local aberto, onde todos pudessem, simultaneamente, ensinar e aprender. c) o Brasil é a terra onde Portugal podia ter sido verdadeiramente ele próprio, terra livre, de homens livres.

Por Fernando Dacosta, 4 de abril de 1994

George Agostinho Baptista da Silva faleceu no dia 3 de abril de 1994. Nascera a 13 de fevereiro de 1906, no Porto.
As condolências foram sobretudo prestadas ao Filho - Pedro da Silva, professor na Baía -, e a Maria Violante Vieira, presidente da UNICEF em Portugal…
Agostinho da Silva, pai de 8 filhos, a viverem na Suíça, Brasil, Grã-Bretanha e Portugal.
Doutorou-se na Sorbonne com uma tese sobre Montaigne. Em Paris, conheceu António Sérgio, Raul Proença, Jacinto Simões (pai) e Jaime Cortesão, aí exilados.
Iniciou a docência na Faculdade de Letras do Porto, entretanto extinta por Salazar. Na sequência foi para Madrid e no regresso a Portugal foi colocado no Liceu de Aveiro. Demitido do ensino oficial, fixa-se em Lisboa – recusara «jurar não ter pertencido ou pertencer a qualquer associação secreta».

A PIDE prende-o. A ditadura exila-o. Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Brasil, África, Ásia. Funda 4 universidades no Brasil e vários centros de estudos superiores. Acompanha a construção de Brasília. Torna-se amigo dos presidentes Jânio Quadros e Juscelino. Liga-se à oposição portuguesa, a Sarmento Pimentel, a Rui Luís Gomes, a Rodrigues Lapa, a Casais Monteiro, a Jaime Cortesão. Casa com a filha deste, Judite Cortesão, em segundas núpcias.

Ensina um pouco de tudo: Filosofia, Geografia, Biologia, Sociologia, Antropologia, Botânica, Literatura, História, Teatro – Glauber Rocha é um dos seus discípulos mais veementes.
Marcelo Caetano autoriza-lhe, em 1968, o regresso.
Formação de base: filologia românica. Traduz (sabe 15 línguas) do latim as obras de Vergílio e de Horácio e de Catulo…
«Temos de fazer da nossa vida uma ficção para conseguirmos torná-la suportável.»
Para Agostinho da Silva, cultura: «é comer direito, vestir decente e habitar seguro».


Agostinho da Silva, autor de Considerações / Os meus problemas

A PHALA – entrevista

a) Uma economia comunitária, até D. Afonso IV. A Europa entrou em Portugal com D. Afonso IV, matando Inês de Castro em obediência à razão de Estado, começando assim a tristeza de Portugal…
b) Um governo coordenador
c) A educação pela experiência. O mundo só sai da doença que é a Escola, a máquina para domesticar a criança que quando nasce é genial, quando as crianças puderem continuar a fazer as perguntas que têm lá dentro ansiosas por se soltarem em vez de aprenderem de cor as respostas convenientes para passarem nos exames e triunfarem na vida tal como ela está montada.
d) A metafísica – a figura da Trindade – o Espírito Santo. A Europa embarcou nos nossos navios e trouxe consigo a economia capitalista. Passámos a ter um governo autoritário, educação pelo livro, religião do previsível. Roma torna a pôr a mão em Portugal. Acabou esse fantasma da Pomba. Até os navios deixam de se chamar Espírito Santo.

O princípio de Heisenberg na Física Quântica: O mundo é imprevisível, incerto.
«Aqui o que presta é o povo, as elites não valem nada.»
«Entendo por modernidade o tempo em que vivo. (…) é aquilo que está na moda.»

23.5.24

Ferrugem

 



Fui visitar o Parque da Tapada da Ajuda. 
Fiquei com a ideia de que os futuros agrónomos aprendem o cultivo da vinha, a tratar dos olivais e de outras espécies vegetais... só não aprendem é a eliminar a ferrugem do Pavilhão das Exposições, inaugurado pelo rei D. Luís em 1884 - estrutura em ferro e vidro...
Grande foi o investimento, só que a manutenção e o aproveitamento são descurados neste país de megalómanos, narcisistas e desleixados...

19.5.24

Fantasma digital


Estou a ler um livro deveras interessante: Fantasmas digitais, de Davide Sisto.

Como já cheguei a uma idade que me permite pensar o que ocorrerá com o meu desfecho biológico, isto é, com o meu regresso à matéria inicial, seja de forma lenta ou acelerada, sempre breve... este livrinho levanta-me, agora, o problema se vale a pena eliminar, ou, pelo menos, ocultar a minha mísera presença digital, sob a forma de fantasma digital, que ficaria por cá a incomodar os vivos, criando-lhes a ilusão de um diálogo, que, afinal, nunca seria autêntico, por mais dados que tivessem sido convocados para a construção de um hipotético holograma...
a não ser que este fantasma digital mais não fosse que um Homero capaz de deixar obras fantásticas como a Ilíada e a Odisseia.
Em síntese, o melhor é começar a apagar a pegada digital, porque falta a obra que pudesse circular na dimensão dataísta.

15.5.24

Triste fortuna!

Triste sina: depois da cadeia, de um olho manco, dos defuntos da índia, de um naufrágio no índico, da vala comum, da falsificação biográfica... agora nome de anunciado aeroporto em Alcochete!
O que mais poderá acontecer ao Poeta!
Talvez, Camões tenha nascido na margem sul do Tejo!

Por estas horas, o José Sócrates, não fosse o nevoeiro da Ericeira, já teria avistado o paquete engalanado da TROIKA...

12.5.24

Serão amoras?

 

Heitor já morreu às mãos de Aquiles, embora quem tenha decidido não tenha sido nem a vontade nem robustez dos heróis... foram os pérfidos deuses do Olimpo, provavelmente inventados para apaziguar a morte dos homens... 
(Já cheguei ao Canto XXIII da Ilíada. E ainda há quem se queixe dos 10 cantos d'Os Lusíadas!) 

Fico-me, entretanto, pelo mistério das amoreiras. Conheço, perto de mim, várias, mas nunca lhes vislumbro frutos. Só que, inesperadamente, descobri uma carregada de amoras, num atalho...

Desconfio que Deméter se está a aproveitar da minha ignorância... 
Ignorância minha: cheguei ao fim do Canto XXIV da Ilíada e o cavalo de Troia não apareceu. 
Quem apareceu foi o melro que não espera que os frutos amadureçam.


9.5.24

A Casa dos Estudantes do Império (CEI) (1944-1965)

A Casa dos Estudantes do Império foi criada por sugestão de um ministro das Colónias de Salazar, Francisco Vieira Machado. Mas acabou por ser apelidada por um inspetor da PIDE de «alfobre de elementos anti -situacionistas». O Estado Novo acabou por extingui-la em 1965.

Em 1943, entre um grupo de estudantes oriundos de Angola, surge a ideia de criar, em Lisboa, a Casa dos Estudantes de Angola. Da comissão organizadora fazem parte Alberto Marques Mano de Mesquita e Ângelo José Vidigal Dias, da Faculdade de Direito; Carlos Torres de Sousa Júnior, Manuel Seabra de Azevedo e Emílio Freire Leite Velho, da Escola Superior de Medicina Dentária; Alberto Pereira Diogo e Acúrsio de Sampaio Nunes, do Instituto Superior Técnico. A iniciativa tem o apoio do comissário nacional da Mocidade Portuguesa, o que vale a Marcelo Caetano o título de presidente de honra da Casa.

Os estudantes de outros cantos do Império seguem o exemplo dos angolanos, o que desagrada ao regime, defensor da ideia de «unidade da nação portuguesa».

Assim, numa visita à Casa dos Estudantes de Angola, realizada a 3 de junho de 1944, o ministro das Colónias Francisco Vieira Machado, na presença de Marcelo Caetano e dos representantes das outras associações (Aguinaldo Vieira, de Cabo Verde); Vasco Benito Gomes da Índia; Gonçalo de Sousa e Macedo Mesquitela, de Macau; e Francisco Maria Martins, de Moçambique), formaliza a proposta de fusão de todas as Casas na Casa dos Estudantes do Império (CEI).

Em Outubro de 1944, a CEI-sede começa a funcionar, sob a presidência de Alberto Marques Mano de Mesquita, no n.º1 da Rua da Praia da Vitória, ao Arco do Cego. Mas, no mês seguinte, muda-se para o n.º 23 da Avenida Duque de Ávila, onde vai permanecer até à sua extinção. Por essa altura, abre também uma delegação em Coimbra.

Logo em janeiro de 1945, na abertura de um ciclo de palestras promovido pela CEI, sob o patrocínio da MP, Marcelo Caetano revela aquilo que o regime espera da Casa: que contribua para o «triunfo do espírito português», trabalhando em prol da formação colonial da juventude.

No entanto, quase todos os elementos dos corpos gerentes da Casa para o ano lectivo 1945-46 assinam as listas do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e juntam-se a partir de 1946, ao MUD Juvenil.

Em 1948-49, encontramos novamente os estudantes que dirigem a CEI ao lado da oposição, a favor da candidatura de Norton de Matos.

Em meados de 1950, os membros da secção da Índia da CEI recusam subscrever uma declaração de repúdio pelas afirmações de Nehru hostis à política portuguesa na Índia.

Na viragem para os anos 50, a CEI começa a estruturar-se como um espaço de socialização antissalazarista, de re (descoberta) da cultura africana, de denúncia do colonialismo, onde se formam politicamente alguns dos futuros dirigentes dos movimentos de libertação: Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Vasco Cabral.

A 30 de Maio de 1952, o Governo nomeia uma comissão administrativa que irá dirigir a Casa até 1957: «Nada contra a nação, tudo pela nação.»

Segundo o novo regulamento, homologado pela Mocidade Portuguesa em 7 de fevereiro de 1957, a Casa dos Estudantes do Império deixa de se organizar em secções (consideradas pelo regime focos de nacionalismos) e não pode interferir em assuntos de carácter político.

A secção editorial da CEI, sob o impulso de Carlos Ervedosa, Fernando Costa Andrade, Fernando Mourão e Alfredo Margarido, publica antologias de poetas e contistas angolanos (1959 e 1962), de poetas de Moçambique (1962) e de São Tomé e Príncipe (1963). Obras de Luandino Vieira, Mário António, Viriato da Cruz, António Jacinto, Agostinho Neto e José Craveirinha figuram na Coleção Autores Ultramarinos. Através do seu boletim “Mensagem”, dirigido entre outros por Tomás Medeiros, revela muitos dos mais importantes escritores africanos e põe a circular textos anticolonialistas.

Por volta de 1960, a CEI tem cerca de 600 sócios, uma cantina que serve uma média de 200 refeições diárias, um lar com 14 residentes, uma biblioteca, um salão de jogos e um posto clínico. Além da sede em Lisboa e da delegação de Coimbra, funciona também uma delegação no Porto (criada em março de 1959).

Em 1960, na CEI – Coimbra, surge um manifesto intitulado “Mensagem ao Povo Português” que revelava as acusações feitas na ONU contra a política colonial portuguesa e propunha o imediato reconhecimento do direito dos povos das colónias à auto-determinação.

A delegação da CEI, no Porto, foi encerrada em janeiro de 1961.

Apesar da vigilância da PIDE e da ingerência da comissão imposta pelo Governo, a CEI é um dos lugares em que se prepara a saída de Portugal de várias dezenas de estudantes africanos que irão juntar-se aos movimentos de libertação.

Em Março de 1962, tendo as comemorações do dia do estudante sido proibidas, a CEI associou-se ao luto académico. Durante a crise, a CASA disponibilizou as suas instalações..., levando a PIDE a invadir a sede... A CEI é extinta em setembro de 1965.

Entretanto, em 1963, tinham sido criados os Estudos Gerais Universitários em Angola e Moçambique

Nota: Em 21 de Maio de 1965, o Ministro da Educação Nacional determinou a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE). Na semana anterior, o Grande Prémio de Novelística fora atribuído a “Luuanda” do escritor José Luandino Vieira.3 O premiado era membro do MPLA e estava preso no campo de concentração do Tarrafal, acusado de atentar contra a “segurança do Estado”.4 (ver envolvimento do Jornal do Fundão através de Alexandre Pinheiro Torres, um dos membros do júri).

1 - Em Janeiro de 1992, foi criada a Associação Casa dos Estudantes do Império. Objectivo: preservar e difundir o legado cívico e cultural da CEI... Personalidades envolvidas: Orlando de Albuquerque, Vítor Evaristo, Luís Pollanah, Carlos Eduardo Ervedosa, Fernando Costa Andrade, Alfredo Margarido, José Ilídio Cruz, José Manuel Vilar.

2 - Celestino Marques Pereira (O ensino colonial da Juventude) deseja mesmo que a CEI seja uma filha da Mocidade Portuguesa.

3 - Foram também premiados Isabel da Nóbrega (romance) e Armando Castro (ensaio).

4 - ver Entrevista a Luandino Vieira, no Público de 15/5/1995.

5 - Xavier de Figueiredo – Jornalista, Público, 8 de Maio de 1994.