Há uns meses, um colega enviou-me a intervenção de António Nóvoa, no Debate Nacional sobre Educação / Assembleia da República, a 22 de Maio de 2006. Creio que M.B.Reis me incitava a reflectir sobre as ideias de Nóvoa, num cenário de construção de um Projecto Educativo.
Só hoje encontrei o tempo de leitura necessário ao pronunciamento. Ora, resumindo: em matéria de educação, Portugal continua na cauda da Europa; a insatisfação “quantitativa” e “qualitativa” continua em alta; avessos à «pedagogia”, desvalorizamos a cultura escolar e preferimos o “centro social”, atribuindo à escola uma multiplicidade de papéis que são da responsabilidade da sociedade; em termos de prioridades, dificilmente as conseguimos equacionar e hierarquizar…, de tal modo que os “bons” professores têm gasto uma boa parte do seu precioso tempo a participar ou a testemunhar numa peça que põe em cena o drama do respectivo estatuto e da avaliação docente – tudo questões prioritárias, mas que não asseguram:
- os níveis mínimos de aprendizagem;
- o sucesso de todos os alunos;
- a valorização do trabalho escolar;
- a satisfação dos interesses dos alunos, com esforço próprio e a maior liberdade que for possível;
- a recuperação do contrato educativo para reinstituir um sentido para a escola;
- o alargamento das vias tecnológicas e profissionalizantes;
- a existência de escolas diferentes, para que se possa falar de liberdade de escolha;
- o reforço da formação de professores, aproximando-os da realidade escolar concreta;
- a inserção cuidada dos novos professores nas escolas;
- a criação de lideranças profissionais num quadro de um trabalho cooperativo.
Pelo que fica dito, parece que construir um projecto educativo pressupõe saber se queremos ser uma escola diferente, isto é, orientada para o futuro; uma escola que aposte, do mesmo modo, na formação humanística, artística, científica e tecnológica; uma escola capaz de definir projectos de aprendizagem; uma escola que valorize o trabalho; uma escola que integre; uma escola que privilegie a profissionalidade e a responsabilidade; uma escola geradora de lideranças…
Já agora, para afinar a reflexão, deixo aqui as palavras de Lídia Jorge: « O lugar da instrução escolar é um lugar único e irrepetível. Não é um local de trabalho, nem é um local concebido para jogo e deleite, é um outro lugar, onde trabalho, jogo e deleite se cruzam de modo a que todo o exercício seja suportável, e a felicidade resulte da aplicação do exercício.» Contrato Sentimental, pág.50, Sextante editora, Setembro de 2009.
FAMÍLIA,ESCOLA,SOCIEDADE...
ResponderEliminarA Escola (sobretudo no nível secundário) estabelece a ponte entre a Família e a Sociedade. E pode até ser a unica ou principal instituição de referência para o jovem que não tem acesso ao ensino superior ou que nele não encontra o sucesso pretendido. Destaco a nota 17 da intervenção de António Nóvoa onde se diz: «Uma das minhas frases preferidas pertence a Gaston Bachelard quando refere que a escola deve substituir o "aborrecimento de viver" pela "alegria de pensar". Dito de forma mais crua: deve substituir o "aborrecimento" das ocupações quotidianas, à primeira vista divertidas e atraentes, mas inevitavelmente inscritas num processo de monotonia (jogos, vídeos, sms, etc.), pela "alegria" do conhecimento, da leitura e do diálogo.»
A Escola (Secundária)não deve ter a pretensão de "transbordar", isto é, de se substituir à família ou à sociedade mas pode ser uma alternativa a certas famílias e a certas sociedades.Estar em condições de ajudar a preparar o sucesso de todos depende sobretudo dos professores (por vezes apesar ou até contra o Ministério da Educação)...
M.B.
Quanto ao aspecto abordado estou de acordo, embora me pareça que M.B. procura um caminho alternativo ao estoicismo, quando se refere à "alegria" de conhecer, de ler ou de dialogar - o prazer tão amado por R. Barthes. Ora, o sacrifício vem de outra cepa!
ResponderEliminarALEGRIA versus SACRIFÍCIO
ResponderEliminar"Sacrifício" significa "tornar sagrado" e "alegria" deriva de "a-lacre" que significa "não fechado". A etimologia ajuda-me: a "alegria" é um estado de abertura ao conhecimento, ao mundo e aos outros. Por isso gostei da frase de Bachelard. A Escola deve ser um lugar de abertura (que conjuga o trabalho e o jogo, nas palavras de Lídia Jorge citadas no CARUMA). O estado de "alegria" é quase incompatível com o estado de "sacrifício"; neste domina o trabalho e a dependência...
M.B.
Não sei se a "alegria" se opõe ao "sacrifício", pois o 'o estado de abertura' é um pouco como a "graça",criando dificuldades a quem não beneficia desse privilégio, colocando, assim, a questão da passagem. Ora, o sacrifício pode assentar no desejo (na vontade)de mudar de estado, o que poderá ser obtido pelo esforço (trabalho). "Sacr + officium" significará, deste modo, oferenda da "obra feita" por aquele que não recebeu "carisma" /"graça" e que descobre que esse é o meio, o caminho, a missão para a "alegria" que, não pressupõe, apenas "abertura", mas, e sobretudo, relação - estar com.
ResponderEliminarEm suma, nada do que fica dito diz que eu esteja em desacordo...