30.12.11

A Sul. O Sombreiro, de Pepetela

Dos ossos perdidos de Diogo Cão à morte do temível Governador e fundador do efémero e mortífero reino de Benguela, Manuel Cerveira Pereira, tudo decorre entre morros e rios.

Pepetela, em A. Sul. O Sombreiro (set. 2011), reinventa os excessos dos governadores ao serviço da dinastia filipina, a luta entre franciscanos e jesuítas, em nome do Papa romano, a emancipação dos mestiços, a desjagarização, sobretudo das mulheres jagas…

Neste romance, o autor viaja  com grande liberdade pela história do século XVII e, ao mesmo tempo, vai revelando um vasto território, inicialmente, ameaçado pelos europeus e pelos jagas, e que o tempo acabará por eliminar…

Do ponto de vista da construção da narrativa, Pepetela dá a voz à maioria dos protagonistas masculinos, desde os governadores Cerveira e Mendes Vasconcelos a Carlos Rocha, o mulato que foge do próprio pai, passando pelo franciscano Simão Oliveira, sem descurar os provinciais da Companhia de Jesus… Só as  «peças» não têm voz – caçadas à ordem de governadores e de jesuítas – são vendidas e enviadas para as fazendas e engenhos brasileiros, como qualquer outra matéria prima. Aliás, são mais valiosas que a prata, o cobre e o sal!

Como acontece noutros romances do mesmo autor, a sátira domina em A Sul. O Sombreiro, título razoavelmente enigmático: a realeza espanhola, as ordens religiosas, os governadores, os chefes militares, os ouvidores, todos agem com um único objetivo: enriquecer. E por isso a justiça ajusta-se à voz do dono… Dos nativos, apenas os jagas, espartanos, são retratados como desumanos, pois cultivam a eliminação dos afetos.

Em síntese, mais um romance didático cujo principal objetivo é legitimar a existência da nação angolana, forjando a angolanidade através do recuo na história, de tal modo que a presença portuguesa acabará por não passar de um triste episódio…

Quanto ao “sombreiro”, nunca alcançado, penso que Pepetela não deixará de o retomar num dos próximos romances – esse cabo que, afinal, esconde os ossos de Diogo Cão – o mito fundador provisório na mitologia de Artur Pestana. 

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