18.7.14

Há trinta e um anos... Figueira da Foz


Há 31 anos, neste lugar, não era possível enxergar esta moderna torre sineira. Talvez, o farol fosse o único ponto de referência. O relógio era um privilégio da Igreja, inimaginável numa praia…

Na verdade, há 31 anos era possível ver a torre sineira, inaugurada em 1947. Ver: http://arquivoartigospalhetas.blogspot.pt/2011/09/torre-do-relogio-da-figueira-da-foz.html

Há 31 anos, o dia de cinza acabou numa trovoada que, por largos minutos, gerou insegurança. Esse acontecimento bem pode explicar  muito do que acontece hoje, sem que alguma vez os protagonistas tenham colocado tal hipótese.
Há uma dimensão do tempo que nos escapa a  todo o momento, apesar de haver uma hora certa para tudo.
Quanto à altaneira bandeira, às 17h05, ela não era mais do que um símbolo de caducidade. Um símbolo quase invisível.
E o farol, esse  deixou-se cercar, não de ondas, mas de casario…

17.7.14

Se tivesse aprendido a arte da poda...


(Sabe-se que a poda orienta o crescimento e apura a produção) Porfírio Silva, Monstros Antigos

Neto de agricultor, nunca cheguei a aprender a arte da poda. Jovem desatento, nunca dei a devida atenção ao ato, se bem que soubesse identificar a tesoura... Pensava que o futuro seria mais promissor se aprendesse  a classificar orações concessivas! 
Passados tantos anos, ainda dou comigo a interrogar-me sobre essa questão fundamental para a «fábrica do mundo» (P.S.): classifique a oração « se bem que apreciadas por alguns» linha 25, grupo II, Prova 639 /2ª fase, 2014.
Se tivesse aprendido a arte da poda saberia orientar o crescimento e não estaria nesta absurda função de censor...
E certamente este meu dia, como todos os anteriores, seria menos amargo...

15.7.14

Ainda há alunos que querem estudar Latim


Ainda há alunos que gostam de estudar Latim - alunos que aprendem a amar a cultura clássica; alunos com resultados de excelência no exame nacional.
O desejo de estudar uma língua clássica pode parecer surpreendente e anacrónico, pois continua a haver quem pense que o latim é uma "língua morta", cujo enterro foi oficializado por Eça de Queiroz e, mais recentemente, confirmado pelo Portugal democrático.
A matéria nunca mereceu grande reflexão ao MEC, se exceptuarmos um ou outro parecer devidamente pago e alinhado.
Na verdade, nos últimos anos, os alunos têm procurado vencer os entraves à oferta de Latim B, mas sem êxito. As escolas, apesar da apregoada autonomia pedagógica, inviabilizam sistematicamente esse desideratum e o MEC refugia-se na austeridade, na eficácia da utilização dos recursos...
Hoje, continuo impedido de responder positivamente a um direito dos alunos e a uma necessidade do país!

14.7.14

No divã

Há consoantes ásperas no ar...
Apetece-me nada escrever para esquecer, ao contrário de outras dias em que escrevo para não esquecer... Da primeira vez que me imobilizei na ideia de nada dizer, surgiu Freud que me alertou para o perigo dos recalcamentos tardios, apesar da proliferação dos traumas infantis...
E estava nisto quando Porfírio Silva me alertou:

«O amigo é um animal ingénuo,
que pensa que os outros só podem ver
o que existe.»
Excerto do poema os humanos são grandes caçadores, Monstros Antigos, pág. 54, Esfera do Caos Editores

Em síntese, o melhor é ler os poetas e depois ir dormir...

Da arena à ágora


Vi o Alemanha - Argentina, e a força alemã sobrepôs-se à força argentina. Já era assim nas arenas romanas! Doravante, o tempo futebolístico será de organização e de músculo... 
Quanto à arte, escassa - apenas a sombra de Messi! Não compreendi porque representava a Argentina. Ainda se o deixassem jogar do lado adversário, talvez ele, por um instante, conseguisse sorrir... Deram-lhe um troféu, e ele, desconsolado, caminhava fechado sobre si, como se quisesse fugir dali.

Ainda sob o efeito da arena, volto-me para ágora com vontade de esquecer o tempo perdido, e leio um poeta, para mim, desconhecido - Porfírio Silva, Monstros Antigos, pág.15, Esfera do Caos Editores, 2013:

Um avião com fadiga do metal
já não é um avião; é outra coisa;
talvez uma escultura
uma escultura perigosa para os passageiros.
(...)
Um corpo com fadiga do metal
já não é um corpo; é outra coisa;
talvez uma escultura;
uma escultura perigosa para os seus íntimos
e reservados passageiros.

E demoro-me a pensar naquele avião que, há dias, deixou cair umas tantas peças sobre Camarate, sobre o Catujal, talvez uma escultura perigosa para os moradores...
E demoro-me a pensar se um corpo, como o meu, cansado, não será outra coisa; talvez uma relíquia de que os  passageiros já não querem ouvir falar...
  

12.7.14

O último projeto: esvaziar as minhas gavetas


Entre dezembro de 2005 e julho de 2014, os acontecimentos fúnebres sucederam-se, uns mais distantes outros mais familiares - as ausências foram substituindo as presenças... 
(Enquanto que os rostos se diluem, as silhuetas demoram-se crepusculares.)
 Hoje, dei comigo a abrir gavetas e a esvaziá-las. Imóveis, as gavetas esperaram quase nove anos, e lá de dentro, por entre aranhiços, ganharam vida os objetos mais inesperados: víveres putrefactos, perfumes pestilentos,  ferramentas enferrujadas, líquidos aviltados, pagelas conspurcadas, sapatos sem alma e sem par, caixas e caixas de comprimidos fora de prazo... 
(Foi tudo deitado para o lixo - esse lugar derradeiro que nos faz voltar atrás e (re)ver os excessos em que vivemos.)
Se, pelo menos, soubéssemos a hora certa para deitar fora o nosso lixo, as memórias seriam mais leves. 

Involuntariamente, abri as gavetas porque,  num certo momento, comecei a pensar que o lixo herdado não deve sobrecarregar as memórias alheias... Na verdade, hoje aprendi que não posso esquecer-me de esvaziar as minhas gavetas... 

10.7.14

Nas caves do GES...


FRANCISCO SARSFIELD CABRAL
«O Banco de Portugal impediu o BES de emprestar dinheiro ao Grupo Espírito Santo (GES), o grupo da família. E o BES, o banco, está suficientemente capitalizado para fazer face a eventuais créditos que tenha dado a empresas da família Espírito Santo antes da intervenção do Banco de Portugal.»

Este enunciado não passa da expressão de uma crença enraizada na velha cumplicidade entre a política e a finança. 

O Governo (e não o Banco de Portugal) deveria esclarecer qual é a fatia do tesouro português envolvida no capital "espírito santo" e, também, que montante da dívida portuguesa está "escondida" nas caves do GES. Infelizmente, o que os políticos e os banqueiros melhor sabem fazer é atirar os problemas para debaixo do tapete. 
Nos últimos anos, a propaganda e a ação partidária do eixo da governação, sob o patrocínio de várias organizações internacionais e do presidente da república, à força de proclamarem as vantagens da capacidade de autorregulação da iniciativa privada, condenaram uma parte da população portuguesa ao empobrecimento, ao desemprego, à emigração e, sobretudo, a um aviltamento inclassificável...
Depois do que aconteceu com o BPN ( e a Sociedade LUSA), este descalabro era previsível. A própria queda de Sócrates já resultou da revolta dos banqueiros... Só que o novo poder foi chocado precisamente nas caves "espírito santo". Mudou a plumagem, mas os corvos continuaram à solta...
Pode parecer que não há solução, mas há... e ela passa pela separação do Estado da Fazenda, tal como no passado foi necessário separar o Estado da Igreja. E cuidado por que a Igreja continua viva, continua a incubar nas caves do espírito santo, do Millenium e do BPI...
/MCG