22.9.14

O contrato de leitura

A Revolução» de que ele e os seus amigos nunca paravam de falar seria como apontar um lança-chamas a tudo, até restar apenas terra queimada, e depois - bem, era simples - ele e os seus amigos reconstruíriam o mundo à imagem deles. Uma vez vista, esta realidade tornava-se óbvia, mas depois havia que enfrentar um pensamento: como podiam pessoas incapazes de organizar as suas suas próprias vidas, que viviam em permanente desordem, construir alguma coisa que valesse a pena?" Doris Lessing, O Sonho mais Doce, editorial Presença, pág. 59 

Passo os dias a pedir aos meus alunos que, na apresentação oral e escrita da obra lida, em vez de se enredarem interminavelmente no enredo, aproveitem para destacar o que terão aprendido durante a leitura...
O excerto de O SONHO MAIS DOCE, de Doris Lessing, é um bom exemplo do que é possível apresentar e debater com os colegas de turma (e não só!)...
Nos anos 60 ( tal como nos anos 70, em Portugal), a Revolução fazia parte do discurso quotidiano das juventudes europeias; o que era necessário era deitar abaixo as instituições e depois se veria... E é neste "depois" que tudo se torna caótico, porque, afinal, os modelos da "revolução" eram totalitários... Os jovens que detestavam os pais, que abandonavam as escolas, que viviam em "comunidades" só podiam reconstruir o mundo à sua própria imagem...
São estes jovens (e os seus filhos) que, hoje, governam o mundo - um mundo igual ao dos seus pais, embora mais precário e asfixiante...
Terá valido a pena?

21.9.14

Um ministro polémico que a quase tudo diz NÃO...


Pessoalmente, NÃO vejo qualquer motivo para considerar o Doutor Nuno Crato "uma personalidade polémica". 
Sempre gostei de ler entrevistas, só que as respostas de Nuno Crato a João Céu Silva (DN 21 de setembro de 2014) deixam-me frustradíssimo.
Quando leio uma entrevista, procuro compreender o pensamento do entrevistado, o móbil das suas ações.
Ora o pensamento e a ação de Nuno Crato são fáceis de configurar. SeNÃO, vejam:

  • O director-geral NÃO faz parte da equipa governamental... 
  • NÃO estou de acordo com essa perspectiva...
  • NÃO, NUNCA afirmei isso...
  • NÃO estou a comentar sobre o futuro
  • SEMPRE tive um relacionamento muito bom com o ministro Vítor Gaspar...  
  • A educação é o futuro do país...
  • NÃO tenho reparado nisso ...
  • NUNCA o vi a incentivar jovens à emigração...
  • A educação é o setor do país que afeta mais pessoas...
  • NÃO queria entrar nesses pormenores ...
  • NÃO é verdade...
  • NÃO o diria...
  • Alguns comportamentos NÃO são aceitáveis...
  • NÃO sei responder caso a caso...
  • NÃO sei dizer o que são mega-agrupamentos...
  • NÃO preciso de um segundo mandato.
  • NÃO é um assunto que conheça o suficiente.
  • NÃO há despedimento de professores contratados, nem conheço algum professor despedido.
Li a entrevista e fiquei cansado. Felizmente, o ministro confessa que NÃO precisa de um segundo mandato...

20.9.14

«Sou contra os TPC por princípio.»

«.... da mesma forma que eu não tenho qualquer autoridade na elaboração de um exame, na escolha das disciplinas que são leccionadas aos meus filhos, na forma e no ritmo com que o professor dá as aulas, também a escola não deve invadir o nosso final do dia e apropriar-se de um tempo que não é seu por direito. Os trabalhos de casa são uma espécie de tempo roubado aos pais, às famílias e às crianças.» Inês Teotónio Pereira, i 20 setembro 2014

Hoje, sábado, enviei um mail a 75 alunos a especificar o trabalho de casa, a curto e a médio prazo. Fi-lo por falta de tempo, pois, na sala de aula, continua a haver alunos que pensam estar em casa - despreocupados e a preguiçar...

Inês Teotónio Pereira é contra os TPC, porque estes roubam tempo «aos pais, às famílias e às crianças». 
Por uma vez concordo, até porque há muitos alunos que, sobretudo, ao fim de semana, passam o tempo a mudar de casa: ora, a mãe; ora, o pai; ora os avós... 
O problema é que, sem tarefas de consolidação das aprendizagens, os alunos dificilmente progredirão ao ritmo exigido.
Então, como resolver o problema sem perturbar mais a vida familiar?

Creio que há uma decisão que poderia ser tomada pelo MEC, agora que as escolas adotam, na sua maioria, o turno único: As tarefas de consolidação de aprendizagem seriam feitas na escola, com supervisão de professores contratados para tal função.

... Os alunos não necessitariam de transportar os materiais escolares de casa para a escola e da escola para casa; as tarefas de consolidação de aprendizagem eram verificadas de imediato; os pais deixariam de culpabilizar os professores; o desemprego diminuiria; o sucesso escolar aumentaria...

19.9.14

740 mil milhões de euros


« No final de Julho, o endividamento total da economia portuguesa atingia os 444,3% do produto interno bruto do país, o que representa um peso de 740 mil milhões de euros que o sector público e privado têm às costas.» i, 19 setembro 2014

Estes dados, em termos de educação, exigem um programa nacional de combate à iliteracia económica e financeira. Porém, o MEC não dá nenhum sinal de que querer contribuir para a necessária mudança de mentalidade... 
As consequências estão à vista: uma classe política inapta que, no entanto, sabe que não corre o risco de ser afastada do poder, pois o sistema educativo está desenhado para perpetuar a iliteracia de qualquer maioria... 

18.9.14

A culpa é dos serviços


 "Houve um erro dos serviços do Ministério, não das escolas nem dos diretores." Nuno Crato

Nos ministérios da Educação e da Justiça há demasiados e gravosos erros. Sabemos, entretanto, que a culpa é dos serviços... ou de quem os não avisou.


Os ministros surgem, também eles, como vítimas, e é nesse estado depressivo que se dirigem ao país e aos deputados para dizer que não têm culpa.
E eles já aprenderam a pedir desculpa em público. Se o tivessem feito no confessionário, teriam, pelo menos, de rezar um Pai nosso e uma avé-Maria... 

E a responsabilidade de quem é?  Já alguém foi demitido ou pediu a demissão?

17.9.14

Na sala de aula, o plural não passa de convenção...


Há quem não tenha coragem de expor verbalmente as suas certezas; basta, no entanto um olhar ou um sorriso ou a combinação de ambos para destapar preconceitos ancestrais...
Não é fácil combater esses estereótipos; de qualquer modo esperar-se-ia que a escolarização ajudasse a combater a bestialidade que domina as atitudes de determinados indivíduos que se consideram superiores a todos aqueles que deles se distinguem por alguma propriedade: a inteligência, a cor, a religião, a etnia, a ideologia, a idade...

Por isso, volto a insistir nas noções de ponto de vista e de visão do mundo - na multiversidade. O termo pode parecer estranho, mas anuncia a possibilidade de existirem passagens, não apenas no nascimento ou na morte, mas também entre lugares, povos, culturas, religiões. Para que tal aconteça são necessários cada vez mais línguas (interpretes) que vivam nas fronteiras dos preconceitos e que, assim, possam ajudar a compreender que a língua que falamos é expressão dos nossos estereótipos ou da nossa disponibilidade para resolver os problemas no interior das línguas, e não fora, com recurso a ferramentas destrutivas mais ou menos avançadas...

Claro que haverá quem pergunte se o multiverso existe, tão habituados que estamos ao universo. Vivemos tão intensamente os ciclos de vida que acabamos por ignorar (ou desvalorizar) os ciclos que se desenvolvem mesmo ao lado, não fossemos nós apenas EU. O plural não é mais do que uma convenção...

16.9.14

Passagens, de Teolinda Gersão


Marta “queria saber dos homens-estátua: se ainda lá estava o que se mascarava de estátua de pedra, com uma pomba batendo as asas por cima da cabeça, ao som da música de Mozart…» Passagens, A Cerimónia, pág. 152.
A Cerimónia corresponde à terceira parte do romance Passagens. Ponto de encontro e Noite são as duas outras partes de um velório interminável, em que a Morte ganha voz através da defunta, das empregadas do Lar para onde fora atirada na fase final da vida, e, sobretudo, dos familiares que, sob a forma de diálogos platónicos, procuram fazer o luto, exorcizando a responsabilidade de cada um. No essencial, a rememoração visa desfazer a ilusão de vidas que se queriam conseguidas, mas que, na verdade, eram produto de uma imaginação delirante… ( A certo momento, comecei a pensar na escrita do esquecido Augusto Abelaira…)
Da Morte à Vida vai apenas um pequeno passo, em que o acaso parece ter um papel determinante. Um passo de abertura, de passagem… Longe de Deus, tudo acaba, por ação do fogo, devolvido aos restantes elementos primordiais.
Ana 2: «Como imaginas a passagem?»
Ana 1: «Sem sobressaltos, previsível. Apenas um regresso aos elementos, ao ponto de partida. Através do fogo voltar à terra, ao ar, à água. Continuar a fazer parte do ciclo da vida.» op.cit., pág. 129
De leitura rápida, este romance bem construído, revelador da fragilidade das relações familiares, levanta-me, no entanto uma questão: qual é o seu destinatário?