3.7.15

A vontade

A vontade é uma faculdade cada vez mais adormecida ou, pelo contrário, bem acordada, mas incapaz de gizar um projeto e executá-lo meticulosamente.
Os sociólogos do séc. XIX explicavam o fracasso da vontade, atribuindo-o ao meio e à hereditariedade. Presentemente, os conceitos mudaram de nome, mas não deixam de estar presentes. Também Sartre apontava os outros como sendo a causa do desvario do indivíduo...

Dito isto, convém não pôr de parte que há por aí muita boa gente capaz de demolir a vontade daqueles que tudo fazem para realizar os seus projetos...

Sendo assim, o melhor é identificar e ponderar todos os fatores, antes de dizer o que quer que seja, mas esse é o caminho mais árduo.

2.7.15

Cosmodrama: Le chaos n'est qu'une colère passagère

«Provoquer, c'est sa façon de créer. Pour dire cette lutte première, cette lutte essentielle, ce combat anthropocosmique, nous avons récemment proposé un mot: le cosmodrame. (...) Pour qui s'engage dans un cosmodrame, le monde n'est plus un théâtre ouvert à tous les vents, le paysage n'est plus un décor pour promeneurs, un fond de photographe où le héros vient faire saillir son attitudeGaston Bachelard, Le Droit de Rêver, La Dynamique du Paysage, Presses Universitaires de France, 1970 

Acabo de consultar o Médio Dicionário Aurélio e não encontro o verbete, mas eu gosto da palavra "cosmodrama", e creio que ela só, por si, caracteriza bem o verão europeu: em primeiro lugar, o calor; em segundo lugar, o destino da Grécia; finalmente, a identidade europeia.
Quanto ao calor, não sei se é a idiotice que aquece o ambiente ou se, pelo contrário, é a aproximação do sol à terra que está a gerar a insensatez que vai giboiando; por seu turno, a Grécia,  quer vote oxi (não) quer vote nai (sim), já tem o destino traçado - o aniquilamento, e dos deuses gregos parece nada haver a esperar; finalmente, a identidade europeia, aniquilada a Grécia, não passa de uma falácia...  

Ao contrário do que pensava Gaston Bachelard, o mundo é um teatro onde sopram múltiplos ventos, a única realidade que interessa aos turistas é a paisagem, e os falsos heróis insistem num protagonismo abjeto. 

Relembro, no entanto, uma outra fantástica afirmação do filósofo: O caos mais não é do que uma cólera passageira - "Le chaos n'est qu'une colère passagère". 

1.7.15

A cor não tem vontade

«La couleur distrait, habille, fleurit. La couleur embaume. Mais par elle, nous quittons la terre. La couleur ne travaille pas. La couleur n'a pas de volonté.» Gaston Bachelard, La dynamique du paysage, in Le Droit de Rêver.

O dia é de sombras, até de alguma chuva, mas isso não evita que escolha um banco de jardim, em frente de um parque vazio de crianças. O que será feito delas? Talvez as tenham levado para alguma praia da costa ou as tenham acantonado em alguma escola de pioneiros... Pouco interessa, sento-me e leio a «matéria e a mão» e  a «dinâmica da paisagem» inspirada nas gravuras de Albert Flacon (1909-1994). Sinto que tenho que voltar para casa, envergonhado com a minha ignorância e, ao mesmo tempo, fascinado com a qualidade interpretativa de Bachelard...
Entretanto, levanto os olhos e apercebo-me de que a cor das árvores e do céu está a mudar.  A mudar por efeito da diminuição da luz solar. As árvores na sua verticalidade parecem tingidas da cinza das nuvens que passam por mim, para me lembrarem que o dia é de sombras
                         sombras aéreas que parecem querer refrear-me a vontade....

30.6.15

Heróis sem nome às mãos dos Serviços de Informação

Artigo 78.º Acesso a dados e informação 
1 -Os diretores e os dirigentes intermédios de primeiro grau do SIS e do SIED têm acesso  a informação e registos relevantes para a prossecução das suas competências, contidos em ficheiros de entidades públicas, nos termos de protocolo, ouvida a Comissão Nacional de Proteção de Dados no quadro das suas competências próprias. 
2 -Os oficiais de informações do SIS e do SIED podem, para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º, aceder a informação bancária, a informação fiscal, a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações, necessários para identificar o assinante ou utilizador ou para encontrar e identificar a fonte, o destino, data hora, duração e o tipo de comunicação, bem como para identificar o equipamento de telecomunicações ou a sua localização, sempre que sejam necessários, adequados e proporcionais, numa sociedade democrática, para o cumprimento das atribuições legais dos serviços de informações, mediante a autorização obrigatória da Comissão de Controlo Prévio. 
                                    Proposta de Lei n.º 345/XII 

Esta proposta do Conselho de Ministros chega ao meu conhecimento no mesmo dia em que decidi ler uma crónica de Eduardo Palaio, publicada no nornal Público de 5 de Maio de 1992, intitulada "Uma história que eu vivi da PIDE em Angola."  
Dessa crónica, escrita para denunciar a pensão atribuída por Cavaco Silva a um antigo funcionário da PIDE-DGS, António Augusto Bernardo "por serviços excecionais e relevantes prestados ao país", transcrevo a parte que me parece que melhor clarifica a natureza deste tipo de agências:

«Um dos negros, um homem gigantesco, forte que nem uma pacaça, era tido por ser o cabecilha, devia ser o tal catequista muito procurado. Se era ou não, nunca os VCC o souberam; o que viram foi um homem grande de pé, sem que ninguém o tivesse autorizado a deixar de estar sentado, cabeça erguida, desafiadora, assente num pescoço grosso, com a carapinha já um pouco grisalha, pés enormes e afastados para manter o equilíbrio que se revelava difícil tantas eram as coronhadas que os pides lhe faziam chover em cima. Algemado, afastava as pernas fortes para se manter de pé. Os pides bufavam de esforço e davam saltos grotescos para poderem dar de cima para baixo no homem gigante. O homem falava, falava sempre enquanto por toda a cabeça escorria sangue. Falava muito, na sua língua indígena (lutchagi?). Falava contra o tempo, sem tomar fôlego. Os pides, à mocada,  tentavam calá-lo. Já tinha a boca disforme, cuspia sangue e ainda falava. O quê, ninguém dos brancos percebia. Só se via pelo arrebatamento que devia ser coisa importante. Era coisa gritada para dentro dos corações do povo dele. Parecia um falar para deixar recado. Até que o derrubaram.» 
(...)
Finalmente, «os pides levaram quinze prisioneiros, entre eles o homem grande, para o interior da mata, para um terreno descendente. Ouviram-se as rajadas. Mataram-nos a todos.» 

O poder executivo legisla de modo a que o quadro legal dê cobertura a todos os atos de recolha de informação. O passo seguinte já está implícito: afinal, a tortura e a morte mais não são do que etapas da arte inquisitorial... 


29.6.15

Ó gente impotente, feita de lama

O presidente da nossa apagada república, sempre que fala, deixa-me aborrecido e triste. Hoje, porém, senti-me envergonhado ao ouvi-lo referir-se às opções e à situação da Grécia.

Lembrei-me, entretanto, da sabedoria de Aristófanes e de Safo, na bela tradução de David Mourão-Ferreira:


Ó homens, cuja natureza é obscura,
ó homens semelhantes à raça das folhas,
ó gente impotente, feita de lama,
irmã gémea da sombra,
ó seres efémeros e sem asas,
ó mortais infortunados,
ó homens vagos como os sonhos
- volvei para nós a vossa atenção,
para nós que somos imortais e vivemos nos ares,
que nunca envelhecemos, que pairamos no éter
com pensamentos eternos
e colocamos, em tudo,
o segredo da perene juventude!

Aristófanes, As aves, trad. David Mourão-Ferreira

Quando arrefece o coração das pombas,
desfalecem, na sombra, as suas asas...

Safo, fragmento 42, trad. David Mourão-Ferreira 

28.6.15

Os gregos desafiam o eurismo

A política, ao contrário da poesia que acrescenta, só restringe!
Tendo uma origem comum, poesia e política seguem caminhos opostos. 
No início, os políticos eram poetas cujas palavras defendiam o reconhecimento do trabalho da maioria. Hoje, os políticos defendem abertamente o empobrecimento da maioria.
Hoje, há uma linha que separa nitidamente a poesia ( a arte, a ciência, a filosofia, a religião), da política -  o eurismo - forma regional do capitalismo mundial.
E se isto acontece é porque a união europeia deixou de se nortear por valores humanistas! Hoje, o discurso político faz tábua rasa de todo e qualquer valor, pois serve apenas o euro!
Os próprios ministros não se diferenciam: ou não têm a voz ou vociferam contra a maioria em nome do euro.
(...)

Os Gregos ousaram desafiar o eurismo e, hoje, estão a tomar consciência de que têm à sua frente a possibilidade de se libertarem da ditadura do euro. Mas será que é esse o caminho que desejam?
Se escolherem dizer não ao euro, mais não estarão a fazer do que seguir o caminho dos povos que nos séculos XIX e XX disseram não aos seus "libertadores".



A Revolução poderia ser uma grande coisa...

«Penso que a Revolução poderia ser uma grande coisa se ela respeitasse a maneira de ser dos outros.» Marc Chagall

O problema é que os Lenines de todos os tempos não respeitam a diversidade, por mais que digam o contrário...

Agora que os Gregos enchem os bolsos de euros, como é que eles vão dizer não ao euro?

No que nos diz respeito, o ministro da educação, em vez de promover a educação artística que, talvez, conseguisse tornar-nos mais humanos e mais solidários, prepara-se para importar as bicicletas que sobraram da revolução maoísta...