27.10.15

Dois Papas

Ouvi dizer que na próxima 6ª feira, ao meio-dia, o Presidente vai dar posse a um novo governo cuja sentença de morte já foi proferida. Entretanto, o Presidente partiu para Itália, porque há que honrar os compromissos com os outros, que não com os Portugueses...

Só num país falido é que tal desperdício é possível! 

Consta, também, que são criados dois novos ministérios e que há indivíduos que aceitam tomar posse só para fazer currículo... Há, no entanto, quem afirme que o fazem por "amor pátrio"... Eu nem sabia que tal tipo de amor ainda existia!

Por outro lado, parece que o Governo, que há de suceder a este que não sabe se o próximo ato será de núpcias ou de trasladação, está a ser forjado em torno da ideia peregrina de que os compromissos são para respeitar.

Desde quando é que os Governos respeitam os compromissos?

Parece que estamos como na Idade Média! De um lado, o Papa de Roma; do outro, o de Avinhão! 
À época, quem saiu a ganhar foi D. Pedro I, amicíssimo da arraia-miúda... 

26.10.15

Origem obscura

Não sei se ainda é hábito consultar o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, num tempo em que a matriz da língua anda pela rua da amargura, eu, contudo, acabo de espreitar a origem de "caruma": origem obscura.
Conformado com a obscuridade da génese, entendo melhor o destino da caruma: arder em lume mais ou menos brando, até se extinguir definitivamente.
Por um tempo, quando as pinhas se abrigavam sob as agulhas, a caruma ainda se imaginou pinheiro capaz de suster as areias, inibindo o oceano de avançar,  mas esse sol foi de pouca dura e o suficiente para a derrubar...
(...)
Estou aqui a ordenar livros, abro-os, limpo-lhes o pó, registo-os, chego mesmo a interromper a tarefa para deles ler alguns parágrafos, verbetes, porém sinto-os vazios, ignorados, derrubados... 
Não posso deixar de pensar se eles, em certos dias, não se terão imaginado pinheiros ao sol, capazes de suster o avanço da estupidez... E tenho pena deles, pois temo que não tenham futuro, a não ser o da caruma...

25.10.15

As pequenas extravagâncias de Vila Velha de Ródão

Ele entra com o olhar do ingénuo que não distingue o bem do mal, que considera natural colher o que está à mão. 
Dirige-se à plateia cheia de amigos incondicionais e explica-lhes que a justiça há muito deixou de ser cega, que a justiça o obriga a explicar uma extraordinária lista de despesas, sem o deixar consultar o bloco de notas onde foi anotando as pequenas extravagâncias...
Não entende como é que num estado de direito há escutas telefónicas que a justiça e a comunicação social utilizam para o vexar, para lhe coartar a liberdade, para o inibir... só porque todos sabem que ele nunca se inibiu de fazer o que lhe apetecesse - de ser um homem livre!

Ali, no torrão natal, ele relembra que está na posse de todos os seus direitos e que podem contar com ele para regressar à vida política... Lutará com todas as forças por um país em que as pequenas extravagâncias deixem de ser questionadas, em que as contas sejam pagam pelos amigos ou, em último caso, sejam totalmente esquecidas... 

24.10.15

Sim, queria trabalhar! Mas aonde?!

«Sim, queria trabalhar! Mas aonde?!... Estava cansado de procurar, de pedir, e ninguém lhe arranjava nada, nem mesmo mísero emprego público. Bem se importavam que seu pai tivesse morrido em África, lutando pela Pátria, ou que ele mostrasse os seus papéis de jovem combatente!...
Sim, ele desejava trabalhar! Mas como se não encontrava trabalho?! E nisto tinha razão o pobre moço. Afinal, ele outros jovens da sua idade expiavam consequências duma situação que não haviam criado. Sem preparação prática para a vida, sem responsabilidades na crise, sem haverem partilhado do regabofe, eram lançados num inglório destino. Constituíam essa geração de sacrifício que engrossava a vaga de miséria que rolava pelo mundo, atroando às portas das cidades seu clamor de justiça - famintos de pão e de alegria, chorando, numa raiva sagrada, a desdita da sua inútil mocidade...»  Julião Quintinha, Novela Africana, 1933.

Este excerto, deliberadamente descontextualizado, até porque integra o capítulo Como se faz um colonial, surge aqui para provar que a atual situação nada tem de inédito e, sobretudo, que a eventual mudança política só terá sucesso se conseguir acabar com o regabofe e criar condições para que o trabalho não falte a ninguém.

23.10.15

As ilusões do Presidente

«Minha imparcialidade se torna mais fácil para mim na medida em que conheço muito pouco a respeito dessas coisas. Sei que apenas uma delas é certa: é que os juízos de valor do homem acompanham diretamente os seus desejos de felicidade, e que, por conseguinte, constituem uma tentativa de apoiar com argumentos as suas ilusões.» Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, pág.111, Imago editora, Rio de Janeiro.

O Presidente da República argumenta como se conhecesse os caminhos da felicidade que o País deve trilhar, independentemente dos desejos de uma parte significativa do povo. 
Os indivíduos que constituem essa parte da população não contam, como acontece com todos aqueles que não votaram ou os que vivem na precariedade, sem esquecer os condenados a emigrar...
A leitura que o Presidente faz do voto popular não é muito diferente daquela que era feita pelos Reis, desde a perda do Brasil, ou pelos Presidentes da República que o antecederam: os indivíduos devem sacrificar os seus desejos de felicidade (mesmo se ilusórios) à felicidade da Pátria.
Uma Pátria madrasta!

A verdade é que este Presidente sempre foi um "Velho do Restelo" que, depois de ter desmantelado as frágeis forças produtivas do País, se vem dedicando a admoestar os cidadãos, sem se dar ao trabalho de lançar qualquer semente à terra por mais árida que ela possa ser.

Por mim, vou me habituar a viver sem Presidente. É esse o meu desejo mais profundo: ser capaz de viver sem Presidente da República.


22.10.15

Se entronizamos a mediocridade...

«Se entronizamos a mediocridade, que nada tem de áureo, como esperar que os autênticos padrões de valor sejam reconhecidos e respeitados? Ao elevarmos tudo ao nível da consagração, não estaremos antes nivelando... por baixo?» José Rodrigues Miguéis, O Espelho Poliédrico, Aforismos  & Venenos de Aparício (IV), pág. 313, Estúdios Cor, 1972.

Em 1972, José Rodrigues Miguéis, escritor mal-amado, talvez pela sua vertente 'estrangeirada' ou, simplesmente, por desleixe e ignorância de quem "gere" a cultura portuguesa, insurgia-se contra a mania da entronização da mediocridade.
(Por uma razão que desconheço sempre valorizámos a 'mediania dourada' / 'aurea mediocritas'.)

Felizmente para ele que se ausentou deste reino onde existem tantos tronos que deixámos de saber quem nos desgoverna!
No essencial, o anonimato de J.R. Miguéis é fruto da mesma preguiça atávica que leva, por exemplo, os "bons alunos" a ignorar a exigência de apresentação, a tempo e horas, de um rascunho orçamental às instâncias europeias.
Em princípio, o 'bom aluno' deveria ser aplicado, responsável e cumpridor...

21.10.15

O discurso indireto não é fiável

«O discurso indireto não é fiável.»
Este pequeno enunciado tem vindo a assombrar-me, de tal modo que decidi contextualizá-lo. Em primeiro lugar, descobri que a autora de tal ideia é a lexicógrafa e semióloga francesa Josette Rey-Debove (1929-2005).

Na obra Le Métalangage, Armand Colin, 1997, Josette Rey-Debove considera o discurso indireto como infiel, pouco verdadeiro, desorientador, incapaz de dar a conhecer o que foi dito, função que só pode ser assegurada pelo discurso direto. E acrescenta ainda que o discurso directo não passa de uma 'tradução' e coloca todos os problemas ligados à significação da enunciação, à sua interpretação, à sua reformulação (contração e amplificação). 

No tempo em que a opinião é construída pelo comentador, convém não esquecer que os enunciados deste são pouco fiáveis, porque, afinal, mais não são do que traduções / traições de uma voz que não sabemos o que é que efetivamente terá pensado / dito.

Na comunicação como na acção, o melhor é não deixarmos as palavras por mãos alheias...