- “Querem ser tão boas e não prestam para nada!”
Será legítimo provocar o interlocutor, omitindo o contexto? Em termos éticos, parece-me condenável…
E em termos poéticos? A questão da legitimidade perde importância porque a elisão (omissão) é reivindicada como recurso expressivo privilegiado. Ao leitor competirá preencher o vazio, recriar o contexto, passando do particular ao universal.
Deste modo, o enunciado descontextualizado “Querem ser tão boas e não prestam para nada!” ganha, em termos poéticos, universalidade, exigindo a participação do leitor que pode, num ápice, deitá-lo para o “lixo” ou, pelo contrário, descobrir nele uma centelha de pessimismo…
No entanto, se eu voltar ao mote e o contextualizar – coisa rara no domínio da poesia! –, caio num espaço confinado em que uma pobre velha, desesperada, insulta um pequeno número de funcionárias que a impedem de saltar de uma cadeira de rodas para uma simples poltrona…
Naquele contexto, a cadeira de rodas e a poltrona protagonizaram o drama das 16 horas cujo desfecho foi bem menos poético do que o leitor poderá imaginar: uma velha agrilhoada, gritando: - “Querem ser tão boas e não prestam para nada!”
Afinal, a velha mais não queria que bater com a cabeça na parede, no chão, em qualquer outro lugar que não aquele… ou, talvez, não quisesse sair daquele espaço e quisesse, apenas, sair de si-própria…
(…)
A teimosia da velha lembra-me que, ontem, também eu pensei que o melhor seria dar uma cabeçada marialva no Ferreira de Castro para ver se liberta, de vez, dos vermes revivalistas que lhe roem os ossos na romântica Sintra e regressa definitivamente à Amazónia.
(Em Portugal, há umas capelinhas vazias, cujos pastores insistem em matar os fiéis!)
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