11.3.11

O 2º termo…

Pergunta e responde Gonçalo M. Tavares: «Quantas vezes choras a ouvir música e quantas vezes a ler? A literatura não é eficaz nessa coisa: se é para sofrer a literatura é inútil

Não há comparação sem segundo termo explícito. Para que serve esse 2º termo? E donde provém?

Por outro lado, a analogia pode gerar cachos de metáforas sem nunca explicitar o 2º termo – a poesia, em grande medida, vive dessa explosão verbal. E a prosa, do que é que vive?

Ao ler Água, Cão, Cavalo, Cabeça, de Gonçalo M. Tavares, encontro prosaicos e, por vezes, insólitos micro-cenários narrativos em que “casos-do-dia” são associados, sem qualquer preocupação que não seja a de textualizar /sexualizar o mundo encontrado nos bastidores dos becos escusos da vida.

Perdido no labirinto das ruelas, surgem-me dúzias de comparações, na sua grande maioria tão artificiosas como o texto gerado. Nesta obra, a procura de originalidade passa, de facto, pela construção desse 2º termo da comparação. Senão, vejamos:

«Claro, a raiva domestica-se como os cães.» / «As oportunidades de suicídio perdem-se como as moedas» / «A natureza não tem mapas, nem cores como os mapas» / « os aranhiços, já se sabe, são como os pais que protegem o filho» /«A maldade não tem uma marca na testa como as vacas que têm doenças  e foram marcadas na testa pelo dono.» / «Algumas pessoas riem como porcos» / « o cão pode ser visto como música equilibrada (…) como uma mesa orgânica» / «os nomes e as respectivas letras (das facas de cozinha) não se vêem, são como os mortos de família: sentem-se.»…

Aceitando que a literatura não é para sofrer, pergunto-me se, fora da quinta verbal de Gonçalo M. Tavares, alguém já viu um porco a rir…

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