2.8.16

Entre o fio mental e o fio dental

Apesar de haver quem diga "que nunca é tarde", a verdade é que eu já não tenho idade para certas coisas, como, por exemplo, correr a maratona ou escrever versos...
E porquê? Porque, numa certa óptica, teria de carregar com toda a tradição daquela famosa corrida ou do ofício de poetar.
Vem isto a propósito de uma crítica literária de Paula Morão "Ana Luísa Amaral - Manto mais brando do pensar", publicada no JL de 19 de Julho de 2005, em que, a linhas tantas, afirma:

Assim, a literatura «fala» numa des-coincidência entre a tradição e o eu que agora diz, e a quem, por ser outro o tempo, «Não interessa onde / estou», como o poema vai repetindo em eco, enquanto busca o «pequeno dicionário/que soubesse de paisagens/ de dentro», um mapa de palavras que emanasse da tradição para traçar o fio mental com que nova Ariadne, o eu se orienta neste tempo poético conforme ao que foi «inventado/há mais de três mil anos», mas em que «nada é já como soía», como escreveu Sá de Miranda. Resta, pois, ao poeta de hoje o recomeço a partir desse húmus de versos e de vozes ecoando no sopro do «vento», a que Zéfiro de Boticelli dá tão bela expressão desde a capa do volume. (A Génese do Amor)

Só a transcrição deixa-me exausto. Agora imaginem que, disciplinado na escola de Mário Moniz Pereira, me atirava a uma destas disciplinas, e, em vez da pista ou do piano, me decidia, qual Orpheu, a recuar três mil anos e a embebedar-me do «húmus de versos e de vozes ecoando no sopro do vento...
Este fio mental que a crítica procura a cada momento restabelecer, e que valoriza como cânone, mata qualquer vontade de iniciar a corrida, mesmo que os louros se afigurem longínquos ou até inúteis...
Por uma questão de exercício, vou interromper este registo e continuar a leitura, pois não quero desistir da caminhada para que fui convidado pela Paula Morão...

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