Entrevistado por José Pedro
Castanheira (Expresso, 1994)
1. O acompanhamento de perto da Guerra Civil de
Espanha e da ofensiva Alemã na União Soviética, durante a Segunda Guerra (…)
«no plano político, permitiram-me reflectir sobre o papel das grandes potências
na condução dos negócios do mundo e sobre o papel reservado aos pequenos países
quando queiram manter uma soberania visível.»
2. Em 1961, foi como voluntário para Angola. «O
Ultramar, qualquer que fosse o seu futuro, era um desígnio nacional, reiterado
por todas as forças políticas, quer situacionistas quer da oposição.
3. «A minha experiência militar, o meu conhecimento
da História e a minha experiência no Ultramar (13 anos) ensinaram-me que não
havia solução militar para a guerra. (…) Um Estado federado ou uma federação de
Estados eram soluções possíveis.»
4.
Conheceu bem Humberto Delgado, mas em 1958,
votou no almirante Américo Tomás.
5. Em maio de 68, foi convidado por Salazar para
Governador da Guiné, tendo na audiência que Salazar lhe concedeu, contrariado a
tese de «saber esperar» … «Ante a tese de Salazar de “defesa do Ultramar” e de
“defesa da Guiné” face à ameaça soviética, tive ocasião de lhe expor a tese da
“revolução social”, com aceleração máxima do desenvolvimento económico, em
paralelo com a promoção social e cultural dos africanos. Só assim a defesa
militar tinha sentido útil. No final, sem contrariar a minha tese, Salazar só
me disse: “É urgente que embarque para a Guiné.”»
6. A nomeação de Marcelo Caetano para presidente do
Conselho foi um momento de esperança, «dando-lhe sempre o meu apoio para
soluções de abertura.»
7. Nos dois primeiros anos da sua estadia na Guiné,
compromete-se num esforço militar no sentido de recuperar posições. A partir de
1970, é a componente social e política que ganha relevo… «O PAIGC, em 1970,
estava enfraquecido, dividido e mais longe das populações, então ainda muito
ligadas à Mãe-Pátria. Era altura negociar… 1972 era o ano ideal para medidas
concretas.»
8. «O objetivo principal da operação Conacri era
justamente libertar Amílcar Cabral das pressões sobre ele exercidas pela União
Soviética, de que o PAIGC dependia totalmente do ponto de vista financeiro e de
material logístico e militar.»
9. «Mário Soares foi um homem corajoso no seu
combate à ditadura, aprendeu muito com os desvios da revolução e soube corrigir
o seu posicionamento; governou o país sempre em situações difíceis e veio a ser
um grande Presidente da República. (…) A morte de Francisco Sá Carneiro foi uma
perde nacional.»
10.
Em 1972, «nunca me assumi como candidato à
Presidência da República. Naturalmente que não temia um confronto eleitoral com
o almirante Américo Thomaz em eleições diretas e livres. (…) A escolha feita
por Marcello Caetano foi sem dúvida um passo decisivo para o suicídio político.»
11. O encontro secreto com Senghor realizou-se a 18
de maio de 1972, tendo o Presidente «expresso uma grande simpatia pelo nosso
país e louvado a nossa política social na Guiné. Ofereceu-se para
intermediário, como defensor duma “autonomia interna” de tipo federativo com
Portugal. Informou-me mesmo de que Amílcar Cabral era recetivo a essa ideia.
Ele próprio me sugeriu um encontro com o prof. Marcello Caetano em Bissau. (…)
Em Lisboa, tudo foi rejeitado por Silva Cunha e Marcello Caetano com argumentos
jurídico-legais.
12.
Estabeleceu vários contactos com Amílcar Cabral,
embora Luís Cabral e Aristides Pereira afirmem que nunca tiveram conhecimento
de tal. Em Outro de 1972, Amílcar Cabral ter-lhe-á proposto um encontro em
«território português», através do inspetor da DGS Fragoso Alas.
13.
Reagiu intempestivamente à morte de Amílcar
Cabral, em janeiro de 1973, “Lá me mataram o homem”: «Essa reação está correta.
E a insinuação foi, na verdade, para PIDE/DGS de Lisboa, que, a proceder assim,
agia às ordens do Governo Central, sem qualquer ligação com o Governo da Guiné.
Penso, no entanto, que as dissidências internas do PAIGC, habilmente exploradas
por Sékou Touré, é que conduziram à morte de Amílcar Cabral. (…) Não havia no
PAIGC substituto com igual inteligência e portuguesismo.»
14.
Na remodelação de novembro de 1973 não aceitou
ser ministro do Ultramar, porque isso exigia «o compromisso de eu aderir à
política ultramarina oficial.»
15.
O livro “Portugal e o Futuro” foi apresentado
pelas «vias hierárquicas competentes. Portugal e o Futuro exprimia ideias que
eram do perfeito conhecimento do presidente do Conselho. A proibição do livro,
de acordo com a Lei, era da competência do ministro da Defesa. Ninguém pode
acreditar que o livro não tivesse sido lido pelo ministro da Defesa e pelo
presidente do Conselho.»
16.
Não aceitou a proposta de Marcello Caetano de
reclamar, junto do presidente Thomaz, a entrega do poder às Forças Armadas.
(Golpe palaciano) Tinha o apoio do ministro Veiga Simão, do almirante Pereira
Crespo, do Dr. Rui Martins dos Santos, secretário de Estado do Ultramar…
17.
O 16 de março de 1974 «foi uma reação de
combatentes do Ultramar à minha destituição e à do general Costa Gomes da
chefia das Forças Armadas Portuguesas. O sentimento que os motivou foi de
profunda revolta, designadamente no seio dos oficiais que serviram comigo (…)
Mas o 16 de março foi uma reação espontânea e construtiva de oficiais que
fizeram muita falta ao País no período entre 16 de março e 25 de abril.
Resultou de uma reação espontânea do Comando de Operações Especiais de Lamego,
que teve o seu núcleo no regimento das Caldas da Rainha.»
18.
«O plano operacional do 25 de Abril foi da
autoria dos majores Casanova Ferreira, Manuel Monge e Otelo Saraiva de Carvalho,
membros duma comissão militar de que faziam também parte outros oficiais como o
tenente-coronel Garcia dos Santos e o major Moreira de Azevedo, coadjuvados
pelos capitães Luís Macedo e Morais Silva e pelo alferes Geraldo. Com o 16 de
março, Casanova Ferreira e Monge foram presos, aparecendo no 25 de abril o
major Otelo como o principal estratego do movimento.»
19.
«Sou de opinião que a iniciativa decisiva de
Salgueiro Maia de se deslocar de Santarém para o Quartel do Carmo o tornou
merecedor de ser distinguido pelos altos serviços prestados à democracia e ao
País.»
20.
«Não é verdade que o brigadeiro Jaime Silvério
Marques estivesse envolvido no golpe liderado pelo general Kaúlza de Arriaga.»
21.
Tomou posse como presidente da República a 15 de
maio de 1974. E empossou Adelino da Palma Carlos como primeiro-ministro no dia
seguinte. Spínola demitiu-se a 30 de setembro de 1974, «face à anarquia que
invadia as Forças Armadas», pois não podia aplicar medidas de exceção: terminar
«com as atividades políticas do MFA» e impedir «as atividades conspiratórias do
PC no seio das Forças Armadas, obrigando-o, igualmente, a abandonar a ditadura
do proletariado no seu programa e a não impedir a institucionalização da
democracia.»
22.
«O meu pensamento num governo militar de breves
meses destinava-se a promover eleições democráticas rapidamente e a referendar
uma nova política ultramarina. Não me bati por esta solução. O Programa do MFA
manteve a Junta de Salvação Nacional, de carácter militar, e um governo
provisório civil. Foi o programa que eu li aos portugueses e no qual acreditei.
Esta solução acabou por se revelar desastrosa com a nomeação de Vasco Gonçalves
para primeiro-ministro e a existência da Comissão Coordenadora do MFA.»
23.
O Partido Comunista não cumpriu as suas
promessas, ao persistir no modelo soviético. « O PC sempre atuou na sombra…
24.
Apesar de na Junta, Rosa Coutinho concordar
quase sempre com as decisões de Spínola, este acaba por reconhecer que ao ser
nomeado para presidir à Junta Governativa de Angola, a atuação de Rosa Coutinho
sofreu uma evolução completa, apoiando deliberadamente as forças marxistas e
tomando decisões contra os portugueses residentes em Angola, que considerava
inimigos. Spínola defende que «a sua atuação em Angola, junto das Forças
Armadas Portuguesas, fomentando a sua rendição, enquadra-se, sem dúvida, no que
eu considero um crime de alta traição à Pátria.»
25.
«Nunca pensei que o Vasco Gonçalves estivesse
ligado ao PC e que tivesse tanta falta de senso (…) Quase louco.»
26.
A traição de Costa Gomes: «o comportamento de
Costa Gomes no 28 de setembro tirou-me todas as ilusões (…) Até setembro,
acreditei na lealdade de Costa Gomes (…) Mais tarde, ao refletir sobre os
factos relacionados com a sua permanente conivência com a Comissão Coordenadora
do MFA, sobre a sua identidade com os elementos esquerdistas, sobre a
destruição dos apoios militares firmes, não posso deixar de lhe atribuir uma
ação preparada e premeditada. (…) O seu desejo era que eu abandonasse Portugal
logo após o 28 de setembro, revelando-me, assim, que pretendia atuar sem um
peso de consciência a viver no país. (…) Posso apenas dizer que a sua
convergência com os comunistas foi total no que concerne ao problema ultramarino.»
27.
«O 11 de Março inicial não foi um golpe planeado
por amadores, mas antes um movimento patriótico a que tinham aderido inúmeros
oficiais. (…) O Partido Comunista infiltrou-se habilmente no seio dos militares
e conduziu o 11 de Março (…) Os objetivos do 11 de Março que estava programado –
e que teria evitado a loucura coletivista que se seguiu – não foram,
infelizmente, atingidos.»
28.
Maior sucesso político da vida: «Ter colaborado
abertamente nos objetivos previstos no 25 de Abril que, em última análise, se
resumiram à restituição da liberdade e da democracia ao povo português».
29.
Maior sucesso militar: «Ter participado como
voluntário na Guerra do Ultramar, onde tive o privilégio de correr riscos ao
lado dos nossos extraordinários soldados, lídimos representantes do ancestral
patriotismo do povo português.»
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