22.11.12

Sala de aula - XXXIX

A - À espera, na sala 22. O assunto poderia ser: As arcádias e a estética neoclássica; A imitação dos antigos... (Mas, não!)
 
B - O tempo é de contrato de leitura! Dois blocos semanais são insuficientes para tanta leitura! Claro, há sempre a exposição formatada ou, em alternativa, ao sabor do argumento...
Hoje subiram ao palco as seguintes obras: O Meu Pé de Laranja Lima; Os Filhos da Droga; Singularidades de Uma Rapariga Loura; Alquimista...
Na turma B, para além da intriga, foi possível perceber que, num cenário de crise económica e social, brasileira ou portuguesa, o problema é o modo como sofremos a mudança. Como as imagens que nos domesticam nos podem arrastar para a construção ou para a destruição. A obra, por mais simples ou complexa que se declare, acaba por nos obrigar a seguir percursos de reformulação ou de degradação. A leitura é, neste caso, um ato educativo dos interlocutores.
Na turma A, não foi possível ir tão longe! Ficámos pelo questionamento e explicação da SINGULARIDADE de Luísa - vaidosa, desonesta e desinteressada da cidadania vs rigor e honestidade de Macário.  O resto já se prende com o modo de esquematizar, localizar os acontecimentos na viagem do alquimista e, sobretudo, interpretar o seu significado. Talvez, para a semana se entenda o caminho!  

21.11.12

O país ficará mais pobre...

A classe docente vai experimentar uma nova modalidade de avaliação - agora, o avaliador será externo!
Cada centro de formação de professores disporá de uma bolsa de avaliadores (externos) administrativamente habilitados e, face à procura, dispersá-los-á pelo respetivo território, com o objetivo de se pronunciarem sobre a EXCELÊNCIA do ato docente.
Concluída a tarefa, o resultado da avaliação será lançado numa nova base de bases.
E pronto! Tudo continuará na mesma!
... No entanto, o país ficará mais pobre... e uns tantos, que não os avaliadores e avaliados, um pouco mais ricos!

Sala de aula - XXXVIII

1851 - Almeida Garrett seleciona as folhas (os poemas) já a antecipar a imortalidade e por isso queima umas  e reúne, em coleção, aquelas que o aproximam do IDEAL (IGNOTO DEO). Deixa de lado as composições que o mostravam no palco, diante de um público inebriado pela vaidade. Esse era o tempo da juventude, o tempo da Lírica de João Mínimo e das Flores sem Fruto!
As folhas que iam dando forma ao «sonho de oiro do poeta» constituem um produto diferente, porque gerado pela imaginação orientada pelos valores da BELEZA, da LUZ, da VERDADE, afinal a essência desse "deus desconhecido" / o IDEAL que o poeta pretende servir e que ele bem sabe que só pode demandar longe das «vulgares turbas» e das « coisas vãs e grosseiras». Ele o poeta que cultivou a cidadania como nenhum outro em qualquer tempo português. Ele que anunciou Antero e Pessoa e ainda permitiu que Nobre e Pascoaes dele se nutrissem.
 «Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não entende bem d'isso, e vós não entendeis nada d'elle.»
  ADVERTÊNCIA do autor de FOLHAS CAÍDAS
 
 (Irrita este tempo da enunciação em que, paradoxalmente, o texto é despojado dos seus co-textos! Um tempo antipedagógico! Um tempo que expulsa Garrett e quer cultuar Camilo!)
 
 
 
 
  

20.11.12

Sala de aula - XXXVII

A - Atos ilocutórios. A surpresa do conceito é suprida pela retoma dos conceitos de locução, locutor, interlocutor. E voltamos à relação de interlocução. Ao afirmar "Nós não trabalhamos.", o enunciado expõe um ato de fala em que o locutor envolve o interlocutor na constatação de que a falha é coletiva (EU+TU). Ora este enunciado é um exemplo claro de um ato ilocutório assertivo. O mesmo enunciado pode transformar-se num ato ilocutório expressivo "Nós não trabalhamos!" ou num ato ilocutório diretivo "Ponham-se a trabalhar!" ou num ato ilocutório compromissivo " Prometemos trabalhar."...  Só falta o ato ilocutório declarativo!
 Neste caso, surgiu a dúvida se o ato assertivo não seria declarativo - dúvida inteligente, resultante da tradicional tipologia da frase... Por outro lado, tornou-se também necessário distinguir FRASE de ENUNCIADO. A metáfora de serviço foi a seguinte: os ramos da árvore desenraizada correspondem à frase; por seu turno, os ramos da árvore enraizada correspondem ao enunciado. O que diferencia os ramos é a SEIVA (A VIDA). O enunciado tem vida. Em resposta à pergunta: - Para que servem os atos ilocutórios? A resposta saiu breve: PARA MUDAR O MUNDO. O enunciado pode mudar o mundo, ao contrário da frase que só ganha importância numa gramática descritiva e estéril.
B - Contrato de leitura. Apresentação oral de A Casa na Duna, de Carlos de Oliveira. A jovem aluna não teve qualquer pejo em declarar que não gosta da narrativa, mas, surpresa, revelou ter lido com muita atenção o romance, e soube dar conta dos aspetos mais importantes, selecionando excertos adequados.
C - Na aula de Literatura, os poemas em análise: Gozo e Dor; Ignoto Deo. E também excertos do poema em prosa SOLIDÃO e da ADVERTÊNCIA de FOLHAS CAÍDAS.
Em Gozo e Dor, a estratégia discursiva assenta no recurso à dramatização argumentativa em que à amorosa satisfação da mulher, o sujeito lírico discorda, não certamente porque  rejeite o "gozo", mas porque  a plenitude arrasta a "dor" - uma particular forma de alienação, de morte ou de loucura:
                               Sinto que se exaure em mim / Ou a vida - ou a razão.

19.11.12

Requerimento

Decidi requerer a aposentação. Sem titubear, peguei no impresso, preenchi-o e disse, para comigo, já está! Mas porquê?
Manifestamente, porque há anos que estou a ser roubado e, sobretudo, porque pressinto que nos próximos anos serei espoliado quer esteja a trabalhar quer aposentado.
De quem é a culpa? Minha. Porque era minha obrigação separar o trigo do joio. E não o fiz! Há anos que somos governados por ervas daninhas...
Em nome da liberdade de Abril, a minha escola, magnânima, acolheu todos, mas não soube gerar competência honesta, trabalho abnegado. E eu estava lá!
Ouvi lamúrias, calei desconchavos, suportei vaidades, pensei que era a adolescência da democracia! Mas não!
Hoje, estou sem paciência! E há alunos que não têm culpa de eu a ter perdido - ainda vejo nos seus olhos o brilho da curiosidade.
Latentemente, a culpa deste requerimento é daqueles que há anos separaram a língua da literatura e que, agora, mediaticamente, regressam a pretexto de uma comemoração e que, sem reconhecerem o erro, anunciam que, afinal, vamos todos ler Camilo. O Camilo de Amor de Perdição? E o outro Camilo, quem o lê?  
 
« - Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.» 
«- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.»
« - Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...»
 
 

Sala de aula - XXXVI

 ( Redação de um conto)
A hipótese de adoção de uma criança por um «casal de namorados» de um dia para o outro obriga a novo esclarecimento terminológico e cultural. A hipótese narrativa é inverosímil, pois socialmente os namorados não se podem candidatar à adoção...; por outro lado, estes processos são demorados. Assim, foram explicadas as noções de verosimilhança e de inverosimilhança como processos de validação do discurso, deixando de lado as noções de verdade e de mentira ( nos domínios: narrativa literária / narrativa cinematográfica).
Por outro lado, o termo "casal", também foi explicado em termos da formação CAS(A) + AL, tendo o sufixo o valor de "conjunto de casas"- aceção primeira; CASAR= CASA + AR, ação de juntar casas / património... o que torna inadequado que se refira um "casal de namorados". Em alternativa, teremos um " par de namorados", mas que não poderá canditar-se à adoção, entre outros motivos porque falta o património...
(Contrato de leitura: Em causa a apreciação crítica da Viagem do Elefante)
O que é que se espera do leitor? A atitude crítica pressupõe a capacidade de discriminar, de separar linhas de força: por exemplo, o milagre de um elefante que ajoelha ao passar defronte de uma igreja. Para o narrador, o gesto do paquiderme foi cuidadosamente preparado pelo cornaca que, posto à prova pelo clérigo, sabia que não podia falhar... E esse saber resulta da personagem ter sucessivamente atravessado diversas culturas, todas elas assentes numa ideia de superioridade de raiz divina... Vejamos, então, como é que o leitor reage a este tipo de personagem! Acompanha-a na denúncia da manipulação a que igreja católica submete o povo - alienando-o... Ou não pode fazê-lo porque a sua própria educação o confina a visão miraculosa do seu mundo?
No essencial, a apreciação crítica coloca em cena o leitor e a sua visão do mundo, pelo que não se justifica qualquer importação do pensamento alheio ( por exemplo da contracapa ou da badana!).    
 
De regresso às Folhas Caídas, de Almeida Garrett, foram dois os textos em análise; O Anjo Caído e Este Inferno de Amar. Apesar de líricos, os dois poemas obedecem a técnica de composição diferenciada: o primeiro de tipo narrativo; o segundo de modo dramático, senão argumentativo. O hibridismo de género literário é um dos traços do romantismo.
No Outono da vida ( Folhas Caídas), o sujeito lírico inesperadamente reencontra o amor no «anjo sem luz» ou nuns «olhos ardentes». E os poemas são cenário da divisão entre a consciência moral / o padrão cultural e o desejo, fruto do momento fulgurante que desenterra o sujeito para a VIDA... Mesmo no Outono da Vida, o amor é «esta chama que alenta e consome». Tudo é prazer, tudo é alegria, mesmo que o amor seja efémero... Vale a pena comparar a definição com a de Camões, traduzida de Petrarca: « o amor é fogo que arde sem se ver!»
                                                 (Da alegria no Outono da Vida - «Dava o Sol tanta luz!»)       
 

18.11.12

Sala de aula - XI

Quando a leitura da narrativa de um acontecimento exige o conhecimento de um extenso referencial - caso do regicídio de 1 de fevereiro de1908 - a legibilidade impõe um esclarecimento detalhado das referências enunciadas, caso contrário, arriscamo-nos a perder o leitor.
Veja-se o texto de Raul Brandão (Manual Português 10, páginas 32-33). Em duas páginas, feito o levantamento das referências topográficas e históricas, surgem as seguintes zonas de penumbra: Livraria Ferreira; Fialho (de Almeida); Artur de Melo; Jorge O'Neill; Rua da Mouraria; Praça da Figueira; Armando Navarro; Malaquias de Lemos; Vila Viçosa; o Rei; o Príncipe; Ramalho (Ortigão); Duquesa de Palmela; João Franco; S. Carlos; Vasconcelos Porto; Arcada; Ministério do Reino; Fazenda; Rua de S. Julião; Buiça; Alfredo Costa; Francisco Figueira; Correia de Oliveira; Rainha...
Se o leitor for lisboeta, talvez não se perca na topografia da cidade. Mas fora da capital tudo será diferente!
Quanto ao conhecimento de História, sendo cada vez mais desprezado, não se vê como é que a memória poderá ajudar o leitor...
Bem sei que o texto foi selecionado como exemplo de memória! Mas que memória procuramos construir se deitarmos fora o autor, o leitor  e o referencial que os poderia alimentar?