19.11.12

Requerimento

Decidi requerer a aposentação. Sem titubear, peguei no impresso, preenchi-o e disse, para comigo, já está! Mas porquê?
Manifestamente, porque há anos que estou a ser roubado e, sobretudo, porque pressinto que nos próximos anos serei espoliado quer esteja a trabalhar quer aposentado.
De quem é a culpa? Minha. Porque era minha obrigação separar o trigo do joio. E não o fiz! Há anos que somos governados por ervas daninhas...
Em nome da liberdade de Abril, a minha escola, magnâmina, acolheu todos, mas não soube gerar competência honesta, trabalho abnegado. E eu estava lá!
Ouvi lamúrias, calei desconchavos, suportei vaidades, pensei que era a adolescência da democracia! Mas não!
Hoje, estou sem paciência! E há alunos que não têm culpa de eu a ter perdido - ainda vejo nos seus olhos o brilho da curiosidade.
Latentemente, a culpa deste requerimento é daqueles que há anos separaram a língua da literatura e que, agora, mediaticamente, regressam a pretexto de uma comemoração e que, sem reconhecerem o erro, anunciam que, afinal, vamos todos ler Camilo. O Camilo de Amor de Perdição? E o outro Camilo, quem o lê?  
 
« - Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.» 
«- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.»
« - Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...»
 
                                                        Amor de Perdição, cap. I
 
 

1 comentário:

  1. (Lembras-te de quando, há um tempo, cronicando, me afirmei desencantado?)

    Infelizmente, sou forçado a acompanhar-te no desabafo, e só te não acompanho no «requerimento» porque tenho ainda tempo de sobra para, mesmo sem paciência, continuar a ser sugado...
    Sendo deferido, "retira-te"! E viaja - pelas literaturas, pelo país e pelo mundo!

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