24.11.12

Sala de aula - XII

Sempre que um teste se aproxima, surgem perguntas assustadoras! A última solicitava ao "prof" de Literatura se ele não conhecia uma obra que resumisse " As Folhas Caídas" de Almeida Garrett.
Esta ideia de resumir poemas é recorrente e é um bom indicador do estado e da natureza da receção da poesia neste país de poetas.
 Não querendo defraudar o inquiridor, registo aqui três enigmas que poderão ajudar a preparar o referido teste (de Literatura!):
I - O que é a Beleza para Garrett? E para os Românticos? Onde encontrá-la? E para os Neoclássicos, qual seria a fonte da Beleza?
II -  A defesa da VOZ que brada ( no púlpito ou no deserto): argumentos, exemplos; razão e sentidos; a força das imagens. 
III - Amor de Perdição - personagem preferida.

23.11.12

OS RESTANTES descartáveis!

" Em 2013, a idade exigida para a aposentação no caso dos magistrados mantém-se nos 61 anos e 6 meses e só em 2020 atingirá os 65 anos, já que o regime em vigor - e que se irá manter - prevê um crescimento de seis meses ao ano desde 2011.
(...) Também as forças de segurança (GNR, PSP, PJ, guardas prisionais) e funcionários judiciais mantêm as actuais regras de aposentação.
Para os restantes trabalhadores da administração pública, a idade da reforma passa dos actuais 63 anos e seis meses para os 65 anos em 2013, quando estava previsto que essa meta apenas acontecesse em 2015." (Diário Económico)
É disto que eu gosto! Eu e mais uns tantos fazemos parte dos restantes. Dos descartáveis!
Continuam os regimes de exceção!

22.11.12

Sala de aula - XXXIX

A - À espera, na sala 22. O assunto poderia ser: As arcádias e a estética neoclássica; A imitação dos antigos... (Mas, não!)
 
B - O tempo é de contrato de leitura! Dois blocos semanais são insuficientes para tanta leitura! Claro, há sempre a exposição formatada ou, em alternativa, ao sabor do argumento...
Hoje subiram ao palco as seguintes obras: O Meu Pé de Laranja Lima; Os Filhos da Droga; Singularidades de Uma Rapariga Loura; Alquimista...
Na turma B, para além da intriga, foi possível perceber que, num cenário de crise económica e social, brasileira ou portuguesa, o problema é o modo como sofremos a mudança. Como as imagens que nos domesticam nos podem arrastar para a construção ou para a destruição. A obra, por mais simples ou complexa que se declare, acaba por nos obrigar a seguir percursos de reformulação ou de degradação. A leitura é, neste caso, um ato educativo dos interlocutores.
Na turma A, não foi possível ir tão longe! Ficámos pelo questionamento e explicação da SINGULARIDADE de Luísa - vaidosa, desonesta e desinteressada da cidadania vs rigor e honestidade de Macário.  O resto já se prende com o modo de esquematizar, localizar os acontecimentos na viagem do alquimista e, sobretudo, interpretar o seu significado. Talvez, para a semana se entenda o caminho!  

21.11.12

O país ficará mais pobre...

A classe docente vai experimentar uma nova modalidade de avaliação - agora, o avaliador será externo!
Cada centro de formação de professores disporá de uma bolsa de avaliadores (externos) administrativamente habilitados e, face à procura, dispersá-los-á pelo respetivo território, com o objetivo de se pronunciarem sobre a EXCELÊNCIA do ato docente.
Concluída a tarefa, o resultado da avaliação será lançado numa nova base de bases.
E pronto! Tudo continuará na mesma!
... No entanto, o país ficará mais pobre... e uns tantos, que não os avaliadores e avaliados, um pouco mais ricos!

Sala de aula - XXXVIII

1851 - Almeida Garrett seleciona as folhas (os poemas) já a antecipar a imortalidade e por isso queima umas  e reúne, em coleção, aquelas que o aproximam do IDEAL (IGNOTO DEO). Deixa de lado as composições que o mostravam no palco, diante de um público inebriado pela vaidade. Esse era o tempo da juventude, o tempo da Lírica de João Mínimo e das Flores sem Fruto!
As folhas que iam dando forma ao «sonho de oiro do poeta» constituem um produto diferente, porque gerado pela imaginação orientada pelos valores da BELEZA, da LUZ, da VERDADE, afinal a essência desse "deus desconhecido" / o IDEAL que o poeta pretende servir e que ele bem sabe que só pode demandar longe das «vulgares turbas» e das « coisas vãs e grosseiras». Ele o poeta que cultivou a cidadania como nenhum outro em qualquer tempo português. Ele que anunciou Antero e Pessoa e ainda permitiu que Nobre e Pascoaes dele se nutrissem.
 «Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não entende bem d'isso, e vós não entendeis nada d'elle.»
  ADVERTÊNCIA do autor de FOLHAS CAÍDAS
 
 (Irrita este tempo da enunciação em que, paradoxalmente, o texto é despojado dos seus co-textos! Um tempo antipedagógico! Um tempo que expulsa Garrett e quer cultuar Camilo!)
 
 
 
 
  

20.11.12

Sala de aula - XXXVII

A - Atos ilocutórios. A surpresa do conceito é suprida pela retoma dos conceitos de locução, locutor, interlocutor. E voltamos à relação de interlocução. Ao afirmar "Nós não trabalhamos.", o enunciado expõe um ato de fala em que o locutor envolve o interlocutor na constatação de que a falha é coletiva (EU+TU). Ora este enunciado é um exemplo claro de um ato ilocutório assertivo. O mesmo enunciado pode transformar-se num ato ilocutório expressivo "Nós não trabalhamos!" ou num ato ilocutório diretivo "Ponham-se a trabalhar!" ou num ato ilocutório compromissivo " Prometemos trabalhar."...  Só falta o ato ilocutório declarativo!
 Neste caso, surgiu a dúvida se o ato assertivo não seria declarativo - dúvida inteligente, resultante da tradicional tipologia da frase... Por outro lado, tornou-se também necessário distinguir FRASE de ENUNCIADO. A metáfora de serviço foi a seguinte: os ramos da árvore desenraizada correspondem à frase; por seu turno, os ramos da árvore enraizada correspondem ao enunciado. O que diferencia os ramos é a SEIVA (A VIDA). O enunciado tem vida. Em resposta à pergunta: - Para que servem os atos ilocutórios? A resposta saiu breve: PARA MUDAR O MUNDO. O enunciado pode mudar o mundo, ao contrário da frase que só ganha importância numa gramática descritiva e estéril.
B - Contrato de leitura. Apresentação oral de A Casa na Duna, de Carlos de Oliveira. A jovem aluna não teve qualquer pejo em declarar que não gosta da narrativa, mas, surpresa, revelou ter lido com muita atenção o romance, e soube dar conta dos aspetos mais importantes, selecionando excertos adequados.
C - Na aula de Literatura, os poemas em análise: Gozo e Dor; Ignoto Deo. E também excertos do poema em prosa SOLIDÃO e da ADVERTÊNCIA de FOLHAS CAÍDAS.
Em Gozo e Dor, a estratégia discursiva assenta no recurso à dramatização argumentativa em que à amorosa satisfação da mulher, o sujeito lírico discorda, não certamente porque  rejeite o "gozo", mas porque  a plenitude arrasta a "dor" - uma particular forma de alienação, de morte ou de loucura:
                               Sinto que se exaure em mim / Ou a vida - ou a razão.

19.11.12

Requerimento

Decidi requerer a aposentação. Sem titubear, peguei no impresso, preenchi-o e disse, para comigo, já está! Mas porquê?
Manifestamente, porque há anos que estou a ser roubado e, sobretudo, porque pressinto que nos próximos anos serei espoliado quer esteja a trabalhar quer aposentado.
De quem é a culpa? Minha. Porque era minha obrigação separar o trigo do joio. E não o fiz! Há anos que somos governados por ervas daninhas...
Em nome da liberdade de Abril, a minha escola, magnânima, acolheu todos, mas não soube gerar competência honesta, trabalho abnegado. E eu estava lá!
Ouvi lamúrias, calei desconchavos, suportei vaidades, pensei que era a adolescência da democracia! Mas não!
Hoje, estou sem paciência! E há alunos que não têm culpa de eu a ter perdido - ainda vejo nos seus olhos o brilho da curiosidade.
Latentemente, a culpa deste requerimento é daqueles que há anos separaram a língua da literatura e que, agora, mediaticamente, regressam a pretexto de uma comemoração e que, sem reconhecerem o erro, anunciam que, afinal, vamos todos ler Camilo. O Camilo de Amor de Perdição? E o outro Camilo, quem o lê?  
 
« - Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.» 
«- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.»
« - Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...»