28.7.13

Ser / estar na notícia sem mestre de cerimónia

- O que fazem três milhões de indivíduos na praia de Copacabana?
Os crentes dizem que estão lá para estar próximo do Papa Francisco. A verdade parece, no entanto, ser outra: estão lá para estar na notícia, para fazer parte da notícia. Ainda assim, há muitos, crentes ou não, que se deslocaram para "ser notícia". E, para o efeito, vale tudo: banho na onda alterosa, protesto contra o governador, revolta contra a hipocrisia da Igreja Católica...
O próprio Papa franciscano (?) procura, sob o olhar das câmaras fugazes, não ser ocultado pelo movimento das ondas humanas.
Uma das lições que, provavelmente, este Papa poderá extrair do evento é que não lhe basta ser notícia para existir, pois a sua ação poderá reacender não só a fé, mas, sobretudo, antigos demónios que durante séculos devastaram a terra em nome de uma Ideia que se queria única e verdadeira.
Paradoxalmente, perto de Santiago de Compostela, um pequeno burgo abandonou tudo o que estava a fazer para socorrer as vítimas de um infausto acidente ferroviário, sem quererem ser /estar na notícia... Esses, sim, existem!
Existem sem encenações nem mestres de cerimónia! 

27.7.13

«Sou noticiado, logo existo»!

Sou noticiado, logo existo. (...) Disparo, logo existo. Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada
O homem já não necessita de cogitar, já não necessita de procurar o deserto para se afastar  da turba ameaçadora. Pelo contrário, agora, procura o ruído da multidão, procura um palco onde possa ser visto e ouvido, busca sensações narcísicas e, para atingir tal objetivo, tudo lhe é permitido.
Este homem não se preocupa com as consequências da imoralidade da sua ação. Uma ação naturalmente violenta, uma ação cada vez mais violenta. Face à efemeridade das reações do Outro, os estímulos crescem de intensidade e de frequência até a um ponto de não retorno. O Outro ou foi abatido ou colocou-se no lugar do sujeito, emulando-o até cair na não-existência...
E é essa não-existência que alimenta a violência «faça-você-mesmo.» A guerra deixou de ser um ajuste de contas, uma luta corpo-a-corpo. Este tipo de violência da notícia, do paparazzi, da rede social mais não é do que uma execução, em que nos apresentamos como carrascos...
(Quanto às vítimas, elas não passam de inexistências, mesmo que ainda guardem a vontade de pensar!)
O problema surge quando se pergunta qual é o futuro destes «carrascos», pois, hoje, sabemos que, para se manterem vivos, eles necessitam do reforço da força do choque, o que significa que de nada serve ficarmos à espera de mudança: ou morrem e são substituídos ou, simplesmente, continuam a infernizar-nos a vida... Por outras palavras, de nada serve esperar que o menino traquinas subitamente abdique de o ser...
Quem espera outro Paulo Portas, não percebe que para ele só importa: «Sou noticiado, logo existo»!   






26.7.13

Um país de malfeitores

"Malfeitoria" é a única palavra capaz de exprimir o meu sentimento em relação aos efeitos do desgoverno em que vivemos. Em termos simplistas, se há malfeitoria é porque há "malfeitores", e, em regra, ficamos satisfeitos sempre que um deles é identificado, mesmo que não seja responsabilizado. Por vezes, chegamos a ter inveja desses "novos heróis"...
Esta abordagem oculta, no entanto, uma realidade mais sinistra: a "malfeitoria" pressupõe um atentado contra a "feitoria", em que o "feitor" lesa a propriedade pública...
Em Portugal, os feitores apropriam-se dos bens públicos, organizando-se para, o efeito, em redes de banqueiros, de procuradores, de juízes, de funcionários, de autarcas, de construtores civis, médicos, farmacêuticos...
Quando olhamos para o governo, para os partidos, para os sindicatos, para as associações, para as corporações, vemos que a sua constituição reflete as tribos transversais que se vão constituindo na sociedade portuguesa... 
Por exemplo, esperar-se que o governo fosse um órgão solidário com o objetivo de servir o país, mas a sua constituição reflete a existência de vários tribos ao serviço de interesses divergentes...
 

25.7.13

Em letra branca

Sob um tempo abafado e certo desapontamento, há quem só pense em férias, indiferente ao que, entretanto, vai acontecendo.
Há dias, um ex-ministro socialista pedia ao governo que acalmasse e nos deixasse ir de férias. Achei o pedido estranho porque estava convencido de que aquele ilustre sociólogo estivesse de férias desde 2011 e, por outro lado, custou-me ouvi-lo falar de ir a banhos como se essa possibilidade não tivesse sido coartada a muitas centenas de milhares de portugueses.
Este tempo húmido talvez justifique a morosidade e a perversão das decisões, mas só sinto desapontamento ao observar a ação política: o ministro crato continua a sua cruzada contra os professores; o primeiro-ministro escolhe para o seu governo homens e mulheres comprometidos com decisões prejudiciais ao interesse público; o vice-primeiro, em vez de se ocupar da reforma do estado, refunda-se a si próprio...
Hoje, ao passar quase duas horas na PT, no Parque das Nações,  à espera que me resolvessem um pequeno problema, tive oportunidade de tomar conhecimento de um expediente que nunca me passara pela cabeça. Lá para os lados da Amadora, há mais de 10 anos, alguém imaginou uma (?) declaração, em que dois proprietários prometiam ceder um terço dos lucros de investimentos urbanísticos a um beneficiário cujo nome não constava no documento, ou, afinal, constava de forma "encriptada": O nome da pessoa que, não sendo sócia da empresa, iria alegadamente ter direito a 33% dos lucros está lá invisível, isto é, os caracteres do nome tinham sido escritos em letra branca, razão pela qual eram indecifráveis na folha da mesma cor. Foi preciso alterar a cor de letra do ficheiro para descobrir que afinal havia um visado naquele documento... (fonte: jornal i, 25 julho 2013)
No próximo ano letivo, irei estar mais atento às folhas em branco não vá algum raposão mudar a cor à letra...  

24.7.13

O crivo avaliativo

No ministério da educação, à medida que se despreza ou mercantiliza a formação, cresce o crivo avaliativo.
Entregue a departamentos universitários sem recursos e, sobretudo, vivendo longe do terreno, a formação inicial dos mestrandos de Bolonha acaba por enganar os candidatos ao ensino, atirando-os para a precariedade. Apesar disso, em regra, os que conseguem uma colocação como contratados cumprem com zelo e submetem-se, anualmente, à avaliação interna, revelando empenho e profissionalismo. É-lhes, no entanto, proibido candidatarem-se à avaliação externa.
Todas as equipas ministeriais têm recorrido ao crivo avaliativo para atingir objetivos que não prezam a melhoria da qualidade de ensino, nem a redução do insucesso escolar. Apesar dos recursos mobilizados em tecnologia e em formação de formadores de curta duração, a realidade mostra que o crivo avaliativo só serve para nivelar por baixo, para desclassificar profissionalmente, para excluir e, sobretudo, para impedir a progressão dos docentes, humilhando-os com tarefas inúteis, e reduzindo-lhes o vencimento...
Na vida de um docente, milhares e milhares de horas são gastas, por imposição do ministério, em atividades não letivas. Curiosamente, ninguém estranha tanta hora não letiva! Tanto desperdício! Basta ler o LAL 2013-2014 para perceber a ineficácia do sistema educativo...
Agora, chegados a Julho, o ministério ameaça com exames em Janeiro, elaborados pelo GAVE (será IAVE?). E as vítimas serão, de início, os candidatos ao ensino, mesmo se formalmente diplomados e considerados aptos para a profissão, e os contratados. Mais tarde, será a vez de avaliar os empurrados para a mobilidade.
Entretanto, as escolas superiores de educação, os institutos politécnicos, as universidades com ou sem via de ensino vão ficando para trás. Porquê? Será para desmantelar o que resta das orientações do professor Mariano Gago?
Em Portugal, há quem diga que a culpa é do sistema! Mas, em Portugal, não há sistema! Em Portugal, vive-se em permanente ocupação. É o chega para lá!

23.7.13

Saramago enxovalhado

Não sei se o ribatejano José Saramago algum dia se terá postado ante portas do senhor Mário Dias dos Ramos (Maia,1935), mas a leitura da crónica "O potencial ditador" publicada pelo jornal i (23 Julho 2013) deixou-me a pensar que o filho da Azinhaga (Golegã) mais não seria que um desses bárbaros modernos assim enxovalhado por uma serôdia cruzada cultural, em nome da civilidade...
Pois é em nome da civilidade que o senhor Mário Dias dos Ramos se atreve a comparar o realizador Manuel de Oliveira com o escritor José Saramago, embora me pareça que, no essencial, os argumentos favoráveis ou desfavoráveis não se dirigem à obra realizada, mas, sim, ad hominem.
No caso de Manuel de Oliveira, este é retratado como um aristocrata simples e humilde, de renome mundial. Quanto ao «jubilado pelo Nobel», o colorido é bem diferente: trata-se de «um homenzinho insignificante com cara de lobisomem e de poucos amigos, a quem a glória subiu à cabeça».
E não posso deixar de citar um parágrafo bem revelador da natureza de quem se viu excluído do círculo de Saramago: «O contraste entre o homem bom e simples que, no cinema, tem sabido retratar, implacavelmente, esta sociedade agridoce que somos todos nós, e o homem que jamais pôde fugir a si próprio, ao seu destino duro, arrogante, impante de sobranceria, irritabilidade e agressividade, aquele ar persecutório de inquisidor-mor do mundo e dos homens.» 
Se entendi bem o pensamento do cronista, ao citar, de forma descontextualizada, Saramago -« em cada democrata existe um potencial ditador» - o despotismo faz parte da natureza dos bárbaros, dos plebeus... e só preocupa, só suscita medo quando se aproxima demasiado da porta dos aristocratas...
Apesar de tudo, quero acreditar que este enxovalho nada terá a ver com Manuel de Oliveira e, também, quero acreditar que o diretor do i, senhor Eduardo Oliveira e Silva, não terá estado atento à composição da página 13, à relação subliminar entre texto e foto.

22.7.13

Até agora

Podemos olhar de frente e não ver o problema.
Podemos querer uma solução sem ver que o problema tem muitas incógnitas.
Podemos olhar para as incógnitas e não ver a rede que as suporta.
Podemos destruir a rede e não ver a solução.

Até agora, embora conheçamos o problema e a rede que o gera, ainda não encontrámos a solução, porque nós somos uma das incógnitas.
Somos parte da rede!
No discurso do portuguesinho, a fonte do problema é sempre o outro, o maldito!