27.3.15

Atrasos...

Quem me conhece, sabe que detesto atrasos. No entanto, hoje, sexta-feira, saí demasiado tarde de casa para assistir a um espetáculo no número 99 da Calçada Marquês de Abrantes, Lisboa. Além do mais, o excesso de trânsito, a falta de estacionamento e a minha inexistente vida noturna dificultaram-me a tarefa de dar com o lugar...
De qualquer modo, cheguei às 21 horas e cinquenta e cinco minutos. A porta encontrava-se fechada, e sob a campainha uma pequena nota: SILÊNCIO POR FAVOR. O ESPETÁCULO ESTÁ A DECORRER. 

Compreendo que não se deve perturbar os artistas, mas...

26.3.15

A lógica das hipóteses sem regresso

Os OUTROS apagam-se enquanto o EGO CRESCE... Se nada existe para além da vida breve, de que serve respeitar o que está para além do EGO?
O plural NÓS esfuma-se a cada dia que passa, apesar da multiplicação das redes sociais... A partilha é virtual e, como tal, o EGO não vai além da simulação... A imaginação deixa-se subordinar à lógica das hipóteses sem regresso...
Partimos, podemos até ser sorteados para partir, como aconteceu com os jovens alemães, estudantes de espanhol, só que, ao lado, há quem determine que aquela é uma viagem sem retorno...
Infelizmente, quando o EGO CRESCE, os OUTROS apagam-se... 
E o pior é que esta situação acontece todos os dias e por toda a parte. 

25.3.15

O Angolano que Comprou Lisboa, de Kalaf Epalanga

Este rabisco é dedicado ao Rafael Marques (nesta hora de provação) e ao Kamba Reis...

Tenho estado a ler com bastante interesse o livro de crónicas de Kalaf Epalanga, O ANGOLANO QUE COMPROU LISBOA (POR METADE DO PREÇO) e, por coincidência, deparei com uma extensa entrevista publicada na revista Tabu... Pode dizer-se que Kalaf, na entrevista, não desmente o ar desempoeirado e atrevido que podemos respirar em cada uma das suas 55 crónicas...
Aprecio na escrita de Kalaf a concisão e, sobretudo, a regeneração da língua portuguesa ao introduzir, de forma plástica, termos oriundos de diferentes quadrantes geográficos e artísticos, designadamente das áreas da moda e da música de inspiração angolana... 
Em termos temáticos, estas crónicas bem poderiam ser objeto de apreciação dos nossos estudantes pela desenvoltura com que Kalaf aborda as questões da identidade angolana, da migração, da discriminação, do provincianismo e do cosmopolitismo, sem esquecer o olhar apaixonado pela cidade de Lisboa... 
Kalaf Epalanga Alfredo Ângelo, aos 37 anos,  revela em cada uma das suas crónicas uma atitude crítica fundamentada, avessa ao racismo, à ignorância e ao mujimbo...
Das muitas passagens que aqui poderia citar, registo aquela que me parece mais adequada, nos dias em que Herberto Helder se tornou notícia:

«E está provado, o belo é aquilo que ninguém percebe, como filmes da Nouvelle Vague, jazz, arquitetura, arte contemporânea... Só os jovens acham feio aquilo que não entendem; os que têm juízo ou vergonha na cara preferem esconder a sua ignorância com expressões do tipo "sim, muito interessante", "profundo", genial" ou ainda o jargão "bué da fixe". Raras são as vezes que admitimos não entender patavina sobre determinado assunto e pedimos para que nos elucidem.» op.cit. pág. 173-174.

24.3.15

Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder

Citação (9.1.2014) 
Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder  e surge-me o amador de Camões: Transforma-se o amador na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que relampejam no escuro.  Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas frias / e das ardentes pedras que tem dentro si./ E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida./ O amador transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.

E fico a pensar no olhar perdido e petrificado do amador camoniano que, à força de misturar imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a viver do fulgor de um momento para sempre perdido, enquanto que o amador de Herberto Helder, no lugar da imaginação coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada  lhe corresponda o grito anterior de amor...

23.3.15

Ao rabisco

Alguém me disse que ando a rabiscar disparates. É provável, embora sinta que muito pior é fazê-los. E disso ninguém quer saber. Hoje é um desses dias em que nem rabiscar apetece. 
Lembro, no entanto, o tempo em que nos finais de setembro espreitava uma oportunidade para poder ir ao rabisco. 
Terminada a vindima, havia sempre um cacho de uva que escapava. E antes que os pássaros se antecipassem, corria as parreiras à procura da última gota de mel, por vezes bem amarga. Pena era que nunca sobrasse um cacho de malvasia ou até de dona-maria...
Hoje é um daqueles dias em que rabisco nostalgia para não ter que denunciar o míldio que destrói a vinha universitária... 

22.3.15

Com a crise...

A persistência pode ser uma prova de vida. Há, no entanto, situações em que se esgota a paciência. E quando tal acontece, é preciso pôr um travão... 
O problema é que, com a crise, as pastilhas deterioram-se de tal modo que do choque das lâminas de aço se levantam faúlhas que acabam por nos incendiar...
(...)
Encaro-o de frente, oiço-lhe a garantia de que não anda a pedir para se drogar, mostra-me os braços como prova, e eu dou-lhe 50 cêntimos. Afinal, ao domingo, naquela rua, não se paga parquímetro. Habitualmente pago muito mais para estacionar e ninguém me explica qual é o destino daquelas moedas.
(...) As ruas de Lisboa são sacos sem fundo. Entramos e já não saímos, a não ser de marcha atrás... E quando a Câmara não instala pilaretes a bloquear a saída, há sempre um automobilista que se encarrega de estacionar à porta de casa...
Creio que vou comprar uma picareta e depois logo se verá!  

21.3.15

Poetastro

Não rima

ainda quando havia trabalho
rimava o malho
se enchia a tulha
mesmo se de hulha...

talvez a poesia
rimasse com maresia
quando amanhecias no cais

agora cais na modorra
a fé dura menos de uma hora...

talvez a poesia
pudesse rimar com melancolia
se o tempo não fosse de agonia...