25.4.15

O 25 de Abril não passou por aqui

Em entrevista conduzida por Nuno Azinheira (DN 25.04.2015), Paulo de Carvalho, embora centrando-se na sua história de vida, dá conta de que o passado, em vez de libertar, pode acabar por  nos murchar, como acontece a todos os cravos:

«O que pesa é ligarem-me sempre a essa música - E depois do Adeus - e ao 25 de Abril. O que pesa é que não se preocupem com o que eu ando a fazer. Isto é muito chato. Chato e um sinal da "incultura de uma série de gente com responsabilidades e que não é capaz de informar." "É muito fácil usar o rótulo de sempre. Ora, acontece que eu gravo um disco de três em três anos. Depois desses êxitos, já fiz muita música, já escrevi muitas canções. Mas as pessoas não sabem, estão presas ao passado." O 25 de Abril não passou por aqui.»

O problema não é que as pessoas não saibam, é que não que queiram saber... 
É tempo de criar novo refrão!

24.4.15

E depois veio o 25 de abril

«e depois veio o 25 de abril, cravos vermelhos, Grândola / vila morena, e o povo é quem mais ordena, e então / aparecem em toda a parte uns gajos que, faz favor, / era a eito, desde o Cristo Cunhal até ao jotinha: / o meu reino é para já...» Herberto Helder, A Morte Sem Mestre, pág.45-46.

41 anos depois, uns irão descer a avenida, outros subirão ao carmo; a vila morena, bastante mais pálida, derramar-se-á sobre o vermelho dos cravos...
Entretanto, os gajos,  já gagás, soltarão vivas a abril: uns de barriga cheia; outros de barriga vazia. Como se a Índia ainda existisse! 
À força de repetirmos o caminho, desembocámos no beco das almas depenadas pelos jotinhas, os únicos que sempre souberam encher o papo, não fossem eles filhos dos abutres do estado novo...

Estranho, estranho é que ainda haja quem acredite (ou nos queira fazer acreditar) que o povo é quem mais ordena... Peço desculpa pela heresia, mas bem sabem que sou um homem sem fé...

23.4.15

Nesta hora canina

Cães há que têm muita paciência: esperam minutos a fio que os donos desfiem as vidas que não são deles, a não ser no cavaco abjeto. Castrados.
Outros há que aceleram a trela, embora saibam que só lhes resta içar a perna e regressar à sombra dos donos. Fingidos.
Da matilha, o melhor é nada dizer, pois, genuína, não descansa enquanto não ceva a perna ao primeiro incauto que encontrar...

Hoje, ao sair de um supermercado, uma mãe comentava para a filha ao ver-me passar: Olha que cãozinho tão lindo, como ele olha embevecido para o senhor. Na verdade, o cão parecia uma bexiga de porco pronta a estourar... Mas fiquei-lhes agradecido, vá lá saber-se porquê?

Nesta hora canina, apenas lamento não conhecer nenhum cão caçador exímio em cevar coelhos...

A culpa é da palavra que acelera a trela e se enreda nela.

22.4.15

Conjetura

Antes que a pergunta se perca: - Para quê mudar a cara, se basta substituir a máscara?

No teatro grego, a cara nunca se mostrava; e mais não era do que o suporte das contingências que habitavam a esfera...

O teatro na sua origem era a expressão possível da matemática, isto é, da thike da mathema. Dito de outro modo: a matemática era a arte (thike) que dava forma ao conhecimento (mathema) do espaço e do tempo, que media e pesava a matéria...

Mais tarde, a matemática, para se soltar da esfera inicial, criou uma outra esfera já só constituída por símbolos que esperam, um dia, apagar todas as máscaras pondo, assim, termo às contingências.

PS. Dedico esta conjetura ao nosso amigo MSR que faz hoje anos, mas que não pode deixar de estar triste, lembrando que a tristeza é inseparável da alegria. Bom é saber que a dor de hoje é a expressão da alegria  de ontem... 

21.4.15

Em abril, das mil águas, nem um pingo de vergonha!

Das mil águas, abril não dá conta, dir-se-ia mês de mil nuvens esbranquiçadas... 
O povo lá segue aparvalhado, incapaz de punir quem ordena, preferindo ser carrasco de mulheres e crianças...
Uma parte ainda continua a entoar hossanas a abril, à espera que este lhe traga «a paz, o pão, habitação, saúde, educação».
Em abril, as rosas e os cravos continuam a florescer  e a outra parte do povo, a fenecer. Se, pelo menos, abril cumprisse as mil águas, talvez quem ordena fosse na enxurrada, e o povo deixasse de ser carrasco de mulheres e crianças...

No abril que corre, para além das estéreis nuvens esbranquiçadas, quem ordena já abriu as comportas da propaganda de tal modo que o povo segue aparvalhado, incapaz de punir quem ordena, preferindo ser carrasco de mulheres e crianças, sem esquecer os náufragos da terra e do mar das partes do médio oriente e de áfrica...

Quem ordena bem sabe que a culpa é dos trabalhadores, dos que não têm trabalho, dos que não têm terra!...
Como disse hoje um distinto sindicalista, a culpa é do povo que não compreende a ação dos sindicatos; a culpa é dos trabalhadores que não se sindicalizam...
Em abril, das mil águas, nem um pingo de vergonha! Só a rosa, só o cravo!

20.4.15

O desconsolo de tanto naufrago da terra

Bom seria que o sol brilhasse por dentro. Não é tanto o frio, mas o desconsolo de tanto naufrago da terra de ódio, de guerra, de discriminação, de fome... Aqui, na europa, a insensibilidade é absoluta, pois, em vez de cerrar fronteiras, bem poderia ter apostado na cooperação económica e cultural com os povos do norte de áfrica, com vantagens mútuas...
Sempre que se levantam muros, criam-se condições para que hordas famintas acabem por os derrubar. Sitiados, os europeus deixam morrer às portas os vizinhos, e um destes dias morrerão eles próprios de inação.
A europa atual não é mais do que uma quimera, refém de um eurismo que, por si só, acabará por cair às mãos de hordas famintas, internas e externas. Mais uma vez tudo se joga no mediterrâneo...  

Por fora, o sol brilha...

Por fora, o sol brilha; por dentro, chuvisca.  Nem sequer faz frio, apenas uma ansiedade de incumprimento ou de culpa infantil...
Essa velha culpa sempre presente, cristalizada no respeito pela arbitrariedade, e de que nada serve confessá-la em privado ou em público, porque a autoridade se confunde com a alteridade e esta, ao contrário do que diz o pregão, em vez de libertar, oprime.
O próprio sol brilha ou esconde-se, alheio a qualquer tipo de ansiedade. 
Por fora, o sol brilha; por dentro, fogo. E eu, apenas, cinza - o que resta da caruma...