15.5.06

Estaremos, de facto, a digitar?

Às nove horas, em Miraflores: a classe média, mansamente sentada, espera o momento redentor da análise... e eu, com a cabeça num tinteiro HP21, procuro-o numa rua, onde o lojista há muito desistiu de o vender.
Às 10 horas, no Colombo: encontro o desejado tinteiro, mas fico preso na caixa... uma expedita funcionária telefonava para um lugar aonde outro expedito funcionário deveria ter chegado.
Às 12:30, nos CTT de Torres Novas: 22 outras pessoas esperam pacientemente à minha frente, para pagar as contas da água, da luz e, sobretudo, para receber a pensão. Lentamente, olham para os relógios e para os rostos sombrios dos vizinhos, na expectativa de que falte alguém.
Às 13:30, nos CTT de Torres Novas: sou atendido.
Um acto simples: Para reencaminhar o correio, bastou preencher um impresso, no balcão ao lado, apresentar uma certidão de óbito de um obstinado mensageiro, mostrar uma procuração de..., ouvir a funcionária perguntar se não havia, de facto, alguém que passasse a levantar o correio porque «só os próprios é que poderiam reencaminhar o correio», refutar os argumentos aduzidos; fotocopiar numa secção interior os documentos carreados para um hipotético processo; digitar os dados que eu acabara de registar manualmente no impresso, passar um cheque de 67,20 € - nos CTT não há multibanco!-, esperar que simpaticamente a funcionária me devolvesse uma cópia do meu impresso e digitasse demoradamente um recibo... Sorrir de agradecimento e sair às 14:15 da estação dos CTT de Torres Novas...
Às 15:00, no Lar: Uns parecem não saber o que estão ali a fazer; outros não sabem explicar aquele braço inchado, aqueles dedos pisados... aconteceu de manhã, talvez às 9:00, num turno de que já não há memória... fico ali até às 16:00, à procura de palavras que me permitam uma aproximação a um tempo «felizmente bem diferente deste, onde não havia esta degradação». Infelizmente, não as encontro e saio, mais uma vez, a pensar que, ali, as palavras estão a mais...
Às 19:00, em casa: o tinteiro HP21 lembra-me que me falta reservar lugar em 2 companhias aérias que permitam a S. viajar entre o Porto e Budapeste, fazendo escala em 2 aeroportos londrinos, em cerca de 12 horas.
Em menos de 30 minutos, as reservas estavam feitas, digitando apenas...

3 comentários:

  1. não! não estamos. e ainda bem! não me parece que digitar tivesse sido alguma vez um superior propósito da humana condição. alimentar, sim. procriar, sim. proteger, sim. comunicar, sim. digitar, não. digitar, digitamos desde sempre pois que com os ´dígitos imprimimos, mesmo sem hp, no mundo a marca da nossa presença. digitar é, hoje, um meio de comunicar e isso, sim, nos faz falta. algures entre 45 minutos de antendimento amnual e humano nos ctt de torres novas e a marcação da viagem digitada reside a essência da presença humana num mundo com humanos não de humanos, ainda que a ilusão permaneça. depois... ainda há as retracções... os q não digitam, os q não gostam de digitar, os q não gostam de ver digitar e, pior q tudo, os q não deixam digitar... os mesmos q não vêem interesse nenhum em criticar, pensar, rir, ridendo... passarás dias a digitar, tentando enfunar as velas do progresso e é vê-los ansiarem o teu insucesso... não. não digitamos ainda. grunhimos e somos mal entendidos. e quando alguém solta um grunhido mais timbrado, a desafiar as estéticas leis q ditam por onde vamos e copmo vamos, um grunhido bonito, elevado, harmonioso... os outros, nessa altura, grunhem todos muito mais, muitos mais alto, juntos... e abafam...
    andamos quase a cruzar-nos as vidas. um dia destes beberemos uma cerveja em minha casa, lançaremos fel e ácido por sobre o q nos apetecer e havemos de rir dos outros todos q não podem estar àquela hora a beberricar a vida sob o estio verde do campo.
    j.

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