10.6.06

Neste campo de Marte...

(Dirigindo-se a D. Sebastião) «Todos favorecei em seu ofícios, Segundo têm das vidas o talento» Camões, Os Lusíadas, X, 150
Tudo leva a crer que D. Sebastião não era mais judicioso que os actuais governantes. Por mais que Pessoa lhe elogie a «loucura», o aventureirismo da sua decisão arrastou-nos para uma crise que jamais superámos. A decisão política ignora o talento e, sobretudo, mata os novos talentos, sujeitando-os a uma uniformização castradora.
Quais soldados num campo de batalha, os professores podem ser substituídos sem que haja qualquer prejuízo para os alunos, como se a aprendizagem não fosse mais do que a assimilação /repetição de uma instrução. Neste campo de Marte, aluno e professor perderam a identidade... são peças obsoletas de uma engrenagem puramente mecânica... sem alma. E onde não há alma, não há talento...
Hoje, dia de Camões, é de uma grande insensatez evocar não só a arte, mas, sobretudo, o engenho do Poeta. Continuamos a fingir que lhe seguimos o ensinamento, enquanto espezinhamos o talento num campo de Marte voltado para a foz do Douro...
(Kafka dirigindo-se a si próprio)
«Estou mais indeciso do que jamais estive, só sinto a violência da vida. E estou estupidamente vazio.» Diários, 19 de Novembro de 1913
A violência da vida, a indecisão, o vazio... o vazio, a indecisão, a violência da vida...
Definitivamente, a vida está a mais! Mas há quanto tempo?
Mas será justo pensar deste modo quando tantos jovens precisam de ajuda para desenvolverem os seus talentos?
Se nos concentrarmos nessa tarefa, não teremos tempo para nos ocuparmos da "loucura" de D. Sebastião, o príncipe que o Poeta pretendia desesperadamente educar: «Tomai conselho só d'experimentados,/Que viram largos anos, largos meses,/Que, posto que em cientes muito cabe,/ Mais em particular o experto sabe.» X, 152.

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