14.6.10

Sonha-me (Ramos Rosa)

Sonha-me
no ouvido do espaço
mesmo se o que separa
me apaga

Se o deserto me queima as mãos
se estou caindo
se nunca fui real
se sou ainda o movimento da sede
talvez possas pesar
esta boca de sombra

Como se pode querer tanto
e como custa
não ter boca
para levantar a casa

Se fosse um ombro ou um aroma
a mão lisa da água
a dália de uma sombra
Ah se fosse um fruto de água
Boca será boca
Esta desamparada pétala?

António Ramos Rosa, JL 13.11.1990

Sempre que proponho a leitura de um poema, mesmo que liberta de instruções”, sinto uma rejeição tácita ou mesmo ostensiva.

No caso do poema de Ramos Rosa, não posso deixar de reflectir sobre alguns tópicos por demais evidentes:
+ a interlocução (sonha-me / talvez possas pesar / como se pode querer tanto / a interrogação final.
+ a atitude reflexiva e interrogativa do sujeito lírico.
+ a composição: declarativa; hipotética; interrogativa.
* as palavras-chave: boca /EU (desadaptado; irreal; em queda; revoltado; em demanda); casa; o outro ( ombro, aroma, mão, dália, fruto de água).
+ a transfiguração da língua por quem não pode ter boca: a respiração / a elipse / a metáfora / a metonímia / a anáfora / a interjeição / a questão de retórica / a rima solta…

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