8.6.10

O mapa e a laranja…

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...


No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...


No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão.
(Fernando Pessoa)

Quem desde os bancos da escola primária se habituou a olhar para o mapa de Portugal não pôde deixar de imaginar um país sempre a descer ou, em casos excepcionais, sempre a subir. Os rios descem para o mar, o dia para a noite! Ainda no século XIV, a Europa descia para a Mauritânia e precipitava-se bruscamente para o abismo. O mundo não passava de meia-laranja! Foi preciso o Infante lançar-nos ao mar para percebermos que a Terra não tinha fim, que, afinal, a terra não passava de uma laranja. Por isso, o Gama foi escolhido para contemplar o Globo e trazê-lo simbolicamente ao seu Rei e, este,  feito senhor desta nova laranja passou a ostentar a esfera armilar, como se  ela o sagrasse não como o “infante” mas como o “senhor”. Foram essa confusão e esse orgulho soberano que desfizeram o Império!

Cansado do Brasão, do Mar Português e do Encoberto, por instantes (1918), revelado no Presidente Sidónio Pais, Fernando Pessoa dedica-se a criar ritmadas sextilhas capazes de nos fazer esquecer qualquer desígnio divino ou nacional. Morto o rei, sobra a reinação. E o poema pândego serpenteia, sempre a descer de regresso à meia-laranja!

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