As páginas que vou lendo são do JL de 12 de janeiro de 1993 – ainda Janeiro
se escrevia com maiúscula – agora amarelecidas, esperam que eu dê conta de uma
tarefa que à época fazia sentido, pois lecionava Literaturas Africanas de
Expressão Portuguesa… O título da página 9 anunciava “Moçambique, país sonâmbulo”, a pretexto da publicação do romance Terra
Sonâmbula, por Mia Couto…
A frase inicial do entrevistador diz-nos que este romance é «uma terrível metáfora sobre o presente sofrido dos moçambicanos».
Embatuco de imediato, pois não faço ideia do que é uma TERRÍVEL metáfora… À
força de pensar que a metáfora resulta de uma analogia capaz de expressar o
terror do real, fico a embirrar com o adjetivo e com o sujeito que dele se socorreu…
Suspenso da tragédia vivida pelo povo moçambicano, e convencido de que
Mia Couto conheceu aquela realidade, enfrento uma nova afirmação
desencorajante: «O meu interlocutor tem
um ouvido de raríssima sensibilidade». A superlativação da sensibilidade
auditiva serve para pôr em evidência que o Autor vai registando, a cada passo,
as deformações linguísticas, aproveitando-as para construir o seu idioleto,
como se o seu objetivo fosse criar o seu próprio país… O contexto exige, no
entanto, a convergência de todos os sentidos, sem esquecer a razão.
Não sei se o refira, mas também me assombra a pergunta do entrevistador do
JL: «A grande tragédia que se vive em
Moçambique – e que constitui o pano de fundo desta “Terra Sonâmbula” – é, na
tua opinião, o que sustenta a necessidade de um género como o romance?»
Não creio que uma tragédia possa ser pano de fundo ou atirada para os
bastidores para satisfazer um qualquer “teórico da literatura”… Mia Couto fez o
favor de esclarecer que a tragédia é, no caso, um discurso sobre a guerra,
construído já em tempo de paz, com os deuses já amansados… Pobres deuses!
Depois surge a inevitável falta de distância. O que é que isto significa?
A necessidade de se acomodar? E também «a segurança pessoal numa sociedade desgovernada
na qual o cidadão não tem defesas», que o escritor ultrapassa não personificando a
violência do terrorismo, a arrogância do poder.
Isto é, os rostos são
substituídos por máscaras…
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