2.5.19

Amanhã

Francisco Goya, 3 de maio de 1808

Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya
 (Poema lido por Eunice Muñoz)

(…) Tudo é possível,  
ainda quando lutemos, como devemos lutar,  
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, 
ou mais que qualquer delas uma fiel  
dedicação à honra de estar vivo.  
(…)
Jorge de Sena


Este espantoso quadro de Goya é uma das imagens mais memoráveis da desumanidade do homem para com o homem. Os exércitos de Napoleão ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808, os cidadãos de Madrid levantaram-se contra os franceses. No dia seguinte, o exército francês revidou com uma terrível vingança, executando centenas de rebeldes e muitas outras pessoas que eram apenas observadores dos inocentes. Goya só conseguiu registrar esses factos alguns anos depois, quando o rei Fernando VII foi reconduzido no trono espanhol. O quadro transcende o contexto histórico específico e demonstra duas características principais da arte de Goya: suas imagens marcantes e diretas, e sua moralidade que questiona mas, em última análise, é distanciada.
Este quadro de Goya intitula-se O 3 de Maio de 1808 em Madrid: Os Fuzilamentos na Montanha do Príncipe Pio, embora também seja conhecido por Os Fuzilamentos da Moncloa.
É pintado de forma totalmente anti-retórica: num charco de sangue, três cadáveres no chão, enquanto um frade e alguns camponeses esperam receber a descarga; aproxima-se deles uma outra fila de condenados que vão morrer. É noite; contra o céu escuro recorta-se o perfil da capital e, em primeiro plano, rodeado de luzes e sombras projetadas de encontro ao muro por uma lanterna, tem lugar a execução brutal e sem piedade.
A atenção concentra-se na figura do condenado de camisa branca e com os braços em cruz que desafia os soldados sem rosto, curvados e fixos no ponto de mira, enquanto o frade reza e os restantes fazem gestos de desespero, numa atmosfera ainda mais gélida, devido ao sangue que se espalha pelo chão e que chega aos pés dos algozes.
A camisa imaculada, prestes a ser trespassada pelas balas, converte-se no estandarte de uma denúncia universal contra a guerra.
              Simone Martins, 7 de outubro de 2017

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