21.10.22

S. Martinho

 
S. Martinho[1]
 
Pobre -------------- Tiago
Martinho ---------- Ricardo
Rainha Dona Leonor ---------
Fiéis ---------------
3 Pajens ----------- Marco e Pedro...
Morte ------------ Magda
Job --------------- Rui
Orvalho ----------
 
Local : Igreja das Caldas da Rainha
No dia do Corpus Christi de 1504
Adereços: capa; espada.
 
 À semelhança da representação do Auto da Índia penso que, devido à comodidade de representação e também devido à falta de recursos, se devia fazer um cenário completamente despojado e minimal.
No entanto os actores, principalmente o pobre, deviam estar um pouco mais cuidados para um maior realismo da peça.

 
O pobre encontra-se em frente à igreja do hospital das Caldas, no meio de uma multidão de devotos cristãos. Encontra-se quase sem roupa e coberto de chagas. Vai avançando e falando com diversas partes do seu corpo: mãos, pés...
 
Pobre:

Oh pernas minhas! Levai-me nem que seja mais um passo!
Mãos, peguem naquele pau e descansem, por um momento, as dores de tanta paixão.
Deixai-me passar por este caminho, para poder procurar o pão que alimente meu corpo doente até que venha a morte, que eu quero por minha companheira.
 
De seguida, e depois de ter interpelado algumas partes do seu corpo, dirige-se à assistência, que quer fazer participar na ação. A assistência representa, aqui, vários tipos de cristãos.
 
 Pobre:
 
Devotos cristãos, dai esmola a este desventurado,
Olhai como estou triste e magoado,
Olhai estes pés e estas mãos dilaceradas,
Contemplai estas chagas, que não têm cura;
São incuráveis para azar meu,
Ai que padeço de dores de morte!
E a vida que levo é contra natura!
 
Olhai mais uma vez o triste,
Que ainda antes de morrer é comido pelos vermes;
Olhai o mal servido de  pés e  mãos,
Olhai a miséria deste pecador;
Dai-me esmola por Aquele Senhor
Que vos protege de tantas dores;
Esmola bendita me dai, senhores;
Pois eu não a posso ganhar com o meu suor,
Tende compaixão deste pobre doente
Que, em tempos, foi um mancebo são e lúcido.
 
O pobre fala imaginariamente a entidades abstractas que poderão, ou não, ter corpos próprios.

Pobre:
 
Oh Mundo, a que tristes dias me trouxestes,
Eu que era vigoroso e valente,
Homem de bom semblante
Elogiado por toda a gente.
Oh Morte que tardas, quem te detém?
Eu já não me atrevo a ser mais paciente!
Oh paciência de Job,
Que queres que eu faça com tantos tormentos?
 Perdoa-me tu que os meus sofrimentos
 Não podem silenciar a miséria em que vivo!
 Fértil orvalho, que te fiz eu?
 Que as ervinhas florescem em Maio,
 E sobre as minhas carnes não lanças um saio[2] 
 Nem as dores deixam que eu o ganhe.
 
 
Pobre:
 
Morte,  deixa as meninas, as donas,
E as donzelas viver louçãs,
Deixa as aves cantar,
E deixa os rebanhos andar pelas penedias.
Leva-me a mim! Porque me desprezas
E matas quem merece a vida?
Tira-me a minha triste alma desta podre prisão,
Não queiras mais sinais.
 
O Pobre volta novamente a pedir.
 
Dai-me agora uma esmola pela paixão
Do filho de Deus que pobre se viu,
Daquele que por nós foi morto: ferido,
Flagelado e crucificado pela redenção.
Olhai, agora, ricos que bem me podeis
Dar os vossos bens, pois sois tesoureiros,
Sede, assim, bons despenseiros
E as vossas riquezas duplicarão.
 
O Pobre queixa-se das chagas, das dores e da fome. Entretanto, surge Martinho. O Martinho de Tours, o que reparte a capa... Martinho não é mais do que a máscara de Leonor.
 
Pobre:
 
Devoto senhor, real cavaleiro,
Volvei vossos olhos para tanta pobreza,
Que Deus vos recompense de vossa gentileza,
Dai-me  esmola, que eu morro de fome.
 
Martinho:
 
Irmão, agora não trago dinheiro.
 
E voltando-se para a sua escolta:
 
Vós outros trazeis dinheiro que possamos dar em nome de Deus?
 
Pajens:
 
Não, de modo nenhum.
 
Martinho:
 
Nenhum de vocês tem nada que dê a este romeiro?
 
Pobre:
 
Não há dor que eu não sinta,
Senhor, tende compaixão de meus males.
 
Martinho:
 
 Quem agora tivesse dessa paixão
A parte que mais te atormenta!
 
Pobre:
 
 Guarde-vos Deus de tão grande afronta,
 Deus vos dê riqueza e muita saúde,
 Dai-me esmola por vossa virtude,
 Que a minha grande pobreza não há quem a sinta.
 
Martinho:
 
Não te posso dar nada para as dores,
Nem aos teus males posso pôr cobro.
Pois não trago outra esmola,
Partamos, aqui, esta capa ao meio.
Rogo-te irmão que rezes por mim,
pois ao sofreres dores nesta triste vida,
A tua alma em glória será recebida
com doces cantares.
 
Enquanto com a espada corta a capa ao meio, Martinho canta o Lauda Sion Salvatore:
 
Laus et honor tibi sit rex Christe redemptor
Cum puerile decus prompsit hosanna pium.
Gloria, laus et honor...
 
Saem em procissão... do Corpus Christi
[1] - Adaptação do Auto de Gil Vicente "Martinho". Autores João Miranda ( 10º A) e  Manuel Gomes (2002-2003)
[2] - antiga veste larga e com abas e fraldão.

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