S. Martinho[1]
Martinho ---------- Ricardo
Rainha Dona Leonor ---------
Fiéis ---------------
3 Pajens ----------- Marco e Pedro...
Morte ------------ Magda
Job --------------- Rui
Orvalho ----------
No dia do Corpus Christi de 1504
Adereços: capa; espada.
No entanto os actores, principalmente o pobre, deviam estar um pouco mais cuidados para um maior realismo da peça.
Oh pernas minhas! Levai-me nem que seja mais um passo!
Mãos, peguem naquele pau e descansem, por um momento, as dores de tanta paixão.
Deixai-me passar por este caminho, para poder procurar o pão que alimente meu corpo doente até que venha a morte, que eu quero por minha companheira.
Olhai como estou triste e magoado,
Olhai estes pés e estas mãos dilaceradas,
Contemplai estas chagas, que não têm cura;
São incuráveis para azar meu,
Ai que padeço de dores de morte!
E a vida que levo é contra natura!
Que ainda antes de morrer é comido pelos vermes;
Olhai o mal servido de pés e mãos,
Olhai a miséria deste pecador;
Dai-me esmola por Aquele Senhor
Que vos protege de tantas dores;
Esmola bendita me dai, senhores;
Pois eu não a posso ganhar com o meu suor,
Tende compaixão deste pobre doente
Que, em tempos, foi um mancebo são e lúcido.
Pobre:
Eu que era vigoroso e valente,
Homem de bom semblante
Elogiado por toda a gente.
Oh Morte que tardas, quem te detém?
Eu já não me atrevo a ser mais paciente!
Oh paciência de Job,
Que queres que eu faça com tantos tormentos?
Perdoa-me tu que os meus sofrimentos
Não podem silenciar a miséria em que vivo!
Fértil orvalho, que te fiz eu?
Que as ervinhas florescem em Maio,
E sobre as minhas carnes não lanças um saio[2]
Nem as dores deixam que eu o ganhe.
E as donzelas viver louçãs,
Deixa as aves cantar,
E deixa os rebanhos andar pelas penedias.
Leva-me a mim! Porque me desprezas
E matas quem merece a vida?
Tira-me a minha triste alma desta podre prisão,
Não queiras mais sinais.
Do filho de Deus que pobre se viu,
Daquele que por nós foi morto: ferido,
Flagelado e crucificado pela redenção.
Olhai, agora, ricos que bem me podeis
Dar os vossos bens, pois sois tesoureiros,
Sede, assim, bons despenseiros
E as vossas riquezas duplicarão.
Volvei vossos olhos para tanta pobreza,
Que Deus vos recompense de vossa gentileza,
Dai-me esmola, que eu morro de fome.
E voltando-se para a sua escolta:
Senhor, tende compaixão de meus males.
A parte que mais te atormenta!
Deus vos dê riqueza e muita saúde,
Dai-me esmola por vossa virtude,
Que a minha grande pobreza não há quem a sinta.
Nem aos teus males posso pôr cobro.
Pois não trago outra esmola,
Partamos, aqui, esta capa ao meio.
Rogo-te irmão que rezes por mim,
pois ao sofreres dores nesta triste vida,
A tua alma em glória será recebida
com doces cantares.
Cum puerile decus prompsit hosanna pium.
Gloria, laus et honor...
[1] - Adaptação do Auto de Gil Vicente "Martinho". Autores João Miranda ( 10º A) e Manuel Gomes (2002-2003)
[2] - antiga veste larga e com abas e fraldão.
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