12.9.13

Rosalino ou será Rosalindo?

A esta hora já não me apetece dizer mal de ninguém. Estou a pensar em mergulhar nas páginas do Aquilino, com uma ideia atravessada: a Agustina Bessa-Luís terá roubado alguns ambientes e, sobretudo, personagens femininas ao Aquilino. Mas se calhar estou enganado! Tudo não passará de uma coincidência! Num país pobre, rural e atrasado, é fácil que escritores diferentes se tenham entusiasmado com o mesmo protótipo...
Por outro lado, escrever neste setembro não faz qualquer sentido. De um lado, as ondas de calor; do outro, a propaganda - uma onda que submerge a paisagem, embebendo as pessoas num embuste inclassificável..
Há, no entanto, no meio tudo isto, um homem fascinante. De seu nome, Rosalino! De calva luzidia, angélico e sacerdotal, entra-nos pela casa dentro e não necessita de qualquer arma para impor cortes, a torto e direito, e aos milhões. E fá-lo de forma risonha, sem levantar qualquer tumulto!
Gosto do Rosalino! Tem sempre uma explicação, ao contrário da professora (ou da sósia?) que, para completar o vencimento, se expunha impudicamente na internet, ou daquele outro professor que, para esconder o desemprego, vai assaltando umas agências bancárias ou dos...
Estes não têm perdão! Apanhados, são censurados e condenados... Quanto ao Rosalino ( ou será Rosalindo!), nada a dizer! Pelo contrário...  

11.9.13

O ator político e as pensões de sobrevivência

Poiares Maduro explicou: - «Há muitas pessoas que julgam que as pensões de sobrevivência se referem a pensões para proteger as pessoas em maior fragilidade, que são pensões para garantir a sobrevivência. Não é isso a que se referem as pensões de sobrevivência. A pensão de sobrevivência é a pensão de alguém que sobreviveu ao cônjuge. Há pessoas que podem estar a ganhar 25 mil euros e que recebem uma pensão de sobrevivência e, no entanto, neste país, faz-se um debate assente num dado totalmente falso"...» (sic)

A Linguística costumava ensinar que a relação entre o significado e o significante resulta de uma convenção duradoura, e que o sentido da palavra só existe enquanto a comunidade respeitar essa convenção...
 
Não sei quem é que, hoje, ocupa o lugar da Linguística, mas parece-me que, para Poiares Maduro, esse papel cabe ao «ator político». O homem político perdeu o caráter e colocou a máscara. Não uma, mas a que for mais conveniente...
No discurso de Poiares Maduro, as convenções de sentido e os contratos dos cidadãos podem simplesmente ser rasgados. No centro da vida política, apenas ele, o iluminado, disserta sobre o significado da palavra «sobrevivência». Se o Governo, de que PM é porta-voz, tivesse razão,  melhor seria que propusesse uma revisão da terminologia ou, em alternativa, alterasse a Lei para que, apenas, beneficiassem da pensão de sobrevivência aqueles que, por razões de defesa da dignidade humana, dela necessitassem.
Não! O Governo prefere a chicana política e o corte indiscriminado!
Tudo não passa de uma questão de «aderência», como vem repetindo o nosso linguista e ilustre primeiro-ministro.

10.9.13

Rigorismo e hipocrisia

Voluntária ou involuntariamente, a Comissão Nacional de Eleições ( CNE) e as televisões estão ao serviço do Governo.
Quanto menor for a cobertura das eleições autárquicas, menor será a erosão dos partidos do Governo.
Lá no fundo, ao poder central, o que interessa é ocultar a trágica situação  vivida pelas populações, desviando, simultaneamente, a atenção para indicadores de retoma económica claramente manipulados. 
O rigorismo da CNE, inspirado no tão criticado excesso de zelo doutrinário do Tribunal Constitucional, é, afinal, um indício de que a mesma doutrina pode ser utilizada com objetivos opostos.

9.9.13

Alexandre Homem de Cristo: Do teu ombro direito vejo o mundo

Ao ler o artigo "Emendar os erros", de Alexandre Homem Cristo (i, 9 setembro 2013), não posso deixar de reparar que o título responde a um mote ou a um modo de ver: "Do teu ombro vejo o mundo".
A subordinação parece-me adequada, embora incompleta. O autor, tal como o governo, ainda está a tempo de emendar o erro, acrescentando um simples mas significativo adjetivo - Do teu ombro direito vejo o mundo
 
Estou a exagerar, como bem se perceberá, pois a ideia de que um investigador só veja o mundo do ombro direito enjoa-me.
No caso, o autor está zangado com a falta de lucidez do governo, pois continua a permitir que alguém, desajustado, envie para o Tribunal Constitucional leis que visam emendar a realidade do país.
Depois de aturado estudo, o investigador, não sei se sob a forma de tese de doutoramento, terá concluído que a responsabilidade da crise é dos privilégios de que, desde o Estado Novo,  beneficiam os funcionários públicos, nomeadamente, os professores, com o boicote à realização dos exames nacionais, pela mão dos sindicatos dos professores, prejudicando pais e sistema educativo...»
Gosto do exemplo, em particular da parte sublinhada. Costumo explicar aos meus alunos que, ao enumerarem, não devem misturar alhos com bugalhos - se apontam países visitados, não os devem misturar com cidades. No entanto, este investigador consegue meter no mesmo saco os pais e o sistema educativo. Tal como não se importaria que, em nome do seu ombro direito, o Tribunal Constitucional passasse a ignorar a Constituição!
Mas, no essencial, a mensagem é outra: um governo avisado deveria ser capaz de rasgar a Constituição ou, pelo menos, de a adaptar às necessidades reais do país.
Afinal, a direita do "investigador" Alexandre Homem Cristo  começa a estar farta do Governo de Passos Coelho, pois tem andado a perder tempo em vez de endireitar o país...   

8.9.13

A «esperteza saloia» enodoa

Sempre que um pingo de gordura cai sobre mim, vejo-o como uma nódoa pronta a desgraçar-me o dia. Em regra, essa fatalidade tem origem na minha desatenção ou na minha falta de preparação para lidar com a gulodice... Claro que há outros pingos mais desagradáveis, como os que podem cair sobre a minha cabeça ao atravessar um jardim, uma rua...
Em qualquer um destes incidentes, a náusea é pessoal e, em princípio, não incomoda mais ninguém!
 
Há, todavia, outra nódoa que contamina toda a gente, e que, pela sua porosidade, nos enodoa.
Já não é a primeira vez que me refiro ao nível de língua do primeiro-ministro, mas a sua insistência na «esperteza saloia» dos outros leva-me a pensar que ele, ao desconhecer o significado e a origem do termo «saloio», não vê que está a adotar um discurso xenófobo e, sobretudo, a revelar que de "esperto" nada tem .
Lembra-me sempre o inquisidor-mor que insistia em salvar a alma dos infelizes que caíam sobre a sua alçada, mesmo que para tal fosse necessário ordenar a execução pelo fogo.
Tal como o Inquisidor, o primeiro-ministro está convencido que foi escolhido para cumprir uma missão redentora e que os outros mais não são do que tristes saloios.
Este tipo de nódoa é trágico pela razão já apontada - enodoa. Isto é, suja, desonra a quem ela recorre. E mais grave, obriga o adversário a recorrer ao mesmo registo de língua, contaminando toda a sociedade e, em particular, os jovens que acolhem facilmente os maus exemplos.
 

7.9.13

Em setembro, estamos mais pobres...

Em setembro estamos mais pobres do que em julho! Qualquer um o sabe, sobretudo se for funcionário público, aposentado, reformado, pensionista... No entanto, surgem convites para eventos de todos os lados.
Esta realidade perturba-me porque não consigo encontrar uma explicação para tal contradição. Talvez uns tantos não se importem porque estão habituados a que no Outono as folhas caiam e por isso considerem que o empobrecimento é apenas temporário, embora para outros ele seja definitivo. Mas esses já não contam! Saem definitivamente da estatística...
Parece-me, contudo, que os indiferentes ao acréscimo da pobreza não se veem apenas como folhas outonais, pois de, algum modo, o empobrecimento alheio lhes traz vantagens.
 
E também me perturba que os que estão a ficar mais pobres tenham de esconder essa realidade, fingindo que nada acontece.
Diz o MEC que, até 2017, as escolas (quais?) vão perder 40.000 alunos! Porque será?
 
 

6.9.13

Jane B. par Agnès V.

Há dias ficou-me na retina um plano em que uma jornalista, dando conta do avanço de um incêndio, se colocou na extremidade oposta de uma rua, deixando-nos sob a ameaça de que o fogo iria avançar para dentro da aldeia, destruindo-a, enquanto que a equipa que filmava a tragédia iria certamente recuando, como se a aldeia não necessitasse de ser defendida e as imagens fossem mais importantes do que as vidas e as coisas...
Ontem, fui à Cinemateca ver  o filme Jane B. par Agnès V. /1988, e nele tudo se passa de modo bem diferente: a cumplicidade entre a realizadora (Agnès Varda) e a atriz (Jane Birkin) é tão forte que a câmara não só não recua, criando distância, como, na verdade, envolve o corpo de tão perto que gera a ilusão de o querer possuir - a ideia é a de que Varda possui cinematograficamente Birkin, tendo, para o efeito, saído do papel de realizadora para o de personagem, embora estática, e, de que, por seu turno, a volúvel e insatisfeita Birkin, apesar de se sentir amedrontada pelo «olho» da câmara, se deixa efetivamente possuir...
O cinema, neste caso, devora os corpos para os preservar, imobilizar, retratar, mitificar. Pelo contrário, a televisão ameaça-nos, ao mesmo tempo que deixa os corpos entregues a si próprios.