Um poeta tradutor, se por um lado corre o risco de matar a criação, por outro arrisca tudo ao ocupar o lugar do feiticeiro que antecipa as chuvas que fazem a glória do rei.
Este tradutor é modesto, pois não se pensa singular, e, ao mesmo tempo, não abdica de dar voz (asas) a uma realidade de pés descalços, seca, sem hino e sem bandeira, mas que, no antigamente, transformava cada semente em flor. Tudo como se o presente tivesse perdido o rumo ao deixar-se formatar por estranhos lugares-comuns.
E quem poderá traduzir essa vontade de regresso ao tempo solidário?
Na verdade, só a semente / oferece flores, mas, para que isso aconteça, o chão (o poeta) terá de ser permeável às chuvas.
Ser ponte, voltar atrás, parece ser o caminho escolhido pelo “palavrador” Mia Couto, em Tradutor de Chuvas, pois a verdade reside num tempo definitivamente perdido, a não ser que as chuvas façam germinar as sementes…
O papel / antes do poema, / é um chão depois da chuva. // O idioma do grão / lavra a caligrafia do pão.//
Em conclusão, apesar de nem todos os poemas serem flores, fica-nos a lição da semente…, embora haja quem nela tenha visto uma prova de machismo, que, creio, precipitado!
Sem comentários:
Enviar um comentário