Ultimamente, encarreguei uns tantos jovens de te escrever uma carta, no âmbito de uma homenagem a um poeta cujo patriotismo talvez tivesses apreciado - Vasco Graça Moura.
Estes jovens, em fase de conclusão dos estudos secundários, sentem-se um pouco constrangidos, mas lá vão cumprindo, mais por obrigação do que por gosto...
Bem sabes que pedir não custa, e por isso decidi relembrar algum do tempo que contigo vivi. O primeiro grande trabalho "camoniano" foi me imposto por um professor de Português em terras do Ribatejo, em Almeirim, que tomara como missão obrigar os alunos a decorar, pelo menos, uns tantos sonetos, que ele diligentemente analisava, impondo-nos, também, a memorização da sua interpretação. O sucesso dependia, assim, da capacidade de memorização dos sonetos e da respetiva exegese. O meu resultado foi fraco, porque a minha memória, já testada nas aulas de botânica, sempre fora frágil... Se não compreendia, não memorizava; se compreendia, detestava o "ipsis verbis".
Um ou dois anos mais tarde, nas margens do Nabão, redescobri a beleza da memória, quando, certo dia, ouvi o professor Hernâni Cidade citar com propósito Os Lusíadas. Nesse dia, invejei-te; sobretudo, admirei aquele ilustre orador que, afinal, só solicitava o nosso entusiasmo para aquelas tuas sequências em que o homem luso derrubava os obstáculos e recebia "os beijos merecidos da verdade"...
À exceção destes dois professores, nunca mais encontrei pela frente nenhum verdadeiro entusiasta da tua excelsa obra. Claro que não esqueço, de os ler, António José Saraiva ou Jorge de Sena. Admirava-os porque nas palavras escritas pressentia a leitura rigorosa dos teus versos e, até, uma certa identificação na vida, como já acontecera, por exemplo, com Bocage. E essa admiração acabou por se estender ao Vasco Graça Moura, também ele um intérprete rigoroso dos teus desígnios...
De aluno a professor, acabei por me ver metido em trabalhos "camonianos". (Só os meus alunos saberão dizer se estive à altura da missão.) Posso, no entanto, confessar-te que um dia me senti bastante defraudado quando um ilustre camonista, especializado nas capas e nas ilustrações das tuas obras, deu ordens para que a cadeira de Estudos Camonianos se tornasse obrigatória, porque eu estaria a "roubar-lhe" os alunos... Isto no âmbito de uma insignificante cadeira de Literatura Portuguesa II, em que eu incentivava os alunos a lerem Sá de Miranda, António Ferreira, Luís Vaz de Camões, Fernão Mendes Pinto.
O meu crime sempre foi o de querer que te lessem, mas não só a ti... a todos os que contigo conviveram ao longo dos séculos... e foram uns alguns! Não tantos como se poderia imaginar... No entanto, não duvido que Vasco Graça Moura foi um desses leitores e, sobretudo, foi um grande promotor da leitura.
Prezado Camões, muito mais te poderia dizer mas não quero espantar a caça.
Um teu admirador!
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