«A noite estava ilegível. (...) Só havia escuridão, sem forma, lugar ou fundo. (...) Apenas por atalhos das sensações podíamos confiar na existência do céu, em cima, e da terra, em baixo. (...) Como os meus olhos não podiam ver, eu via com os ouvidos.» Fernando Pessoa, in A Estrada do Esquecimento.
Há muito que a noite deixou de ser ilegível nas cidades.
Só nos campos desertos, a escuridão insiste em persistir, a não ser que a lua se deixe esconder... Eu ainda atravessei essa escuridão que ecoava sob os meus passos apressados e desconcertados... passos que calcavam a terra num desafio ao medo que medrava sob os uivos da canzoada.
A escuridão que me envolvia tinha um chão, tinha um teto, e eu só ansiava que do fundo eclodisse a luz.
Nunca fui tão longe na noite, porque ainda assim raiava o dia, mas, hoje, a escuridão começa a adensar-se nos sons nocturnos, e o dia está a ficar ilegível.
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