15.12.16

Um pássaro esverdeado

Acordo cedo. A gata arranha a porta. E não sei se acordo cedo porque a gata arranha a porta ou se a gata arranha a porta porque acordo cedo.
Ela sabe que não lhe quero abrir a porta, mas que pode tirar vantagem, pois reforço-lhe a ração da madrugada. Eu quero distraí-la do objetivo inicial, no entanto desconfio que o objetivo dela seja diferente do imaginado.
Até porque a gata, satisfeito o apetite, desloca-se para a sala, e imobiliza-se junto do computador à espera que eu o ligue... e verifique quem está online ou se, no tempo de Morfeu, algo aconteceu de verdadeiramente insólito.  E esfíngica, observa todos os meus movimentos até que eu conclua as rotinas da madrugada...
Só reage à abertura da porta que dá para o patamar... aí, ela consegue esgueirar-se e não perde a oportunidade de subir o lanço de escadas que dá acesso ao sótão. Abro a porta do elevador à espera que ela queira entrar, porém ela prefere regressar a casa ou, em alternativa, descer o lanço de escadas que dá acesso ao 11º andar.
(a escrita, neste, momento torna-se mais difícil, pois ela insiste em dar-me marradas e em digitar uns sinais ++++, o que é o menos, pois de seguida a vítima é o S. José que corre o risco de ficar sem bordão.)
A Sammy vive cá em casa como viveria em qualquer outra casa, apesar de aqui ela poder exercitar-se no varão, sem nunca esquecer o seu velho peluche - um pássaro esverdeado, reduzido à expressão mínima. Por vezes, oferece-mo... e eu agradeço.
(... )
Há uma hora atrás, perguntaram-me se iria "passar o Natal à terra". Pergunta inofensiva, mas que me surpreendeu de tal modo que eu retorqui "Qual terra?" E pensei "aquela terra nem cemitério tem!" Só agora dou conta que não posso voltar à terra, pois a Sammy não gosta de descer de elevador, embora possa voar atrás do velho peluche esverdeado...
Entretanto, já lhe prometi que, um destes dias, vamos ler  O Gato Preto, de Edgar Allan Poe:

«Não espero nem solicito o crédito do leitor para a tão extraordinária e no entanto tão familiar história que vou contar. Louco seria esperá-lo, num caso cuja evidência até os meus próprios sentidos se recusam a aceitar. No entanto não estou louco, e com toda a certeza que não estou a sonhar. Mas porque posso morrer amanhã, quero aliviar hoje o meu espírito. O meu fim imediato é mostrar ao mundo, simples, sucintamente e sem comentários, uma série de meros acontecimentos domésticos. Nas suas consequências, estes acontecimentos aterrorizaram-me, torturaram-me, destruíram-me. No entanto, não procurarei esclarecê-los

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