1.11.10

Santos e defuntos..

 Dia de todos os santos! O calendário, por vezes, é um bom indicador do estado do mundo. Tantos são os santos que alguns ficam de fora da liturgia ou, em alternativa,  vêem-se obrigados a coabitar num mesmo dia, o que lhes retira graça e glória. Por isso foi criado este dia da fraternidade beatífica, e colocado antes do dia de todos os defuntos, entenda-se dia de aqueles que, por esta ou aquela razão, não gozam da certeza da glória eterna… (Bem sei que esta ideia pode ser temerária!)

De qualquer modo, os santos continuam por aí na memória diária, os defuntos, esses, caídos no esquecimento, dão corpo a uma natureza pletórica.

Por mim, ao exemplo e à glória dos santos, prefiro o esplendor outonal dos defuntos. Já lá vai o tempo da emulação!

(Felizmente, acabo de compreender que definir objectivos individuais é prometer que me vou portar melhor: ajudar os meus colegas a suportar o desperdício da avaliação; ajudar alguns dos meus alunos a apostarem no trabalho, quando o detestam e abominam a escola da responsabilidade. Em suma, procurar a excelência à custa da humilhação do outro…) 

E, na verdade, esta emulação há muito que deixou de fazer qualquer sentido para mim. Há muito que o esplendor outonal tomou conta de mim.

30.10.10

Em tempo de caracóis…

O caracol floresce nos dias de chuva e o país anda para trás. De qualquer modo, os portugueses não se coíbem de passar estes três dias de inactividade injustificada longe de casa, mesmo que as viagens tenham custos acrescidos, resultantes de mais portagens e de mais acidentes. Por seu lado, os políticos ocupam o palco, em vaidades infantis e jogos suicidas.

27.10.10

No caminho (in)certo…

Diz-nos Gonçalo M.Tavares que «o tipo de texto leva-nos sempre a sítios diferentes». Infelizmente, o português parece ignorar este princípio, insistindo em «falar de si» como se nada mais existisse ou como se só existisse um único tipo de texto. A opinião salta, assertiva, desprezando o estudo e contornando os argumentos, em nome da soberba e da vaidade…

Se nos libertássemos  da opinião e experimentássemos as regras dos caminhos, descobriríamos novos horizontes. Mas não. Preferimos hostilizar toda e qualquer regra, desde da contabilística à da cortesia… Desregrados, seguimos por encostas suicidas…

(Em absconso solilóquio, o ministro das finanças fala de objectivos que já não são nossos!)

25.10.10

Num Domingo outonal na Areia Branca

Na AREIA BRANCA, num Domingo outonal, de manhã, as nuvens parecem ameaçar, mas ninguém as vê. Estão ali suspensas, escorrendo do branco para o cinzento envergonhado e, ensimesmadas, resistem à tentação de cumprir o impulso primeiro. E eu subo e desço as pequenas encostas, reflectindo sobre a viabilidade económica dos múltiplos bares, cafés e esplanadas. Há sinais de novo riquismo, próprios do Verão, mas sem expressão humana nas restantes estações do ano. Investimentos públicos que reflectem a mentalidade dos seus promotores, mas que escondem a miséria bem visível, por exemplo, no parque de campismo. Um parque municipal, residencial, incapaz de acolher os forasteiros que desejem passar um ou vários dias nesta acolhedora praia, apesar de, também, a areia começar a falhar…

Sobra, todavia, a Pousada da Juventude!  

23.10.10

Dá vontade de desancar…

“Por vezes, em dia de balanço, acordamos cáusticos, com vontade de zancar nos fornecedores de serviços…”

Diz-me o Senhor Eleutério Silva que o vocábulo “zancar” não existe e, de facto, não vem registado nos Dicionários mais nobres. No entanto, se consultarmos o INFORMAL, lá vem o verbete, mas sem definição… Enfim, reminiscências de uma infância em que a violência do gesto cortava nas sílabas (e nas silvas?) a torto e a direito!

E hoje, há por aí muito boa gente a pedir que desanquemos nela. Esperemos que não seja necessário, porque, se isso acontecer, temo que o verbo “zancar” acabe, na pressa, por receber carta de alforria.

De qualquer modo, obrigado. 

17.10.10

Esquecimento…

Muito do que sei (ou já soube ?) devo-o a alguém. Por exemplo, o que, ainda, sei sobre Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, em parte, bebi-o na obra comprometida de Alfredo Augusto Margarido que me ensinou o caminho para essa fundadora CASA que, contrariando os objectivos do Estado Novo, nasceu no seio da Casa dos Estudantes do Império (CEI). Sem ela, a CEI, e sem ele, Alfredo Margarido, o CASA lusófona seria bem diferente. É, também, dele, Alfredo e da CEI que nos fala PEPETELA, na 1ª parte de GERAÇÃO DA UTOPIA, “A CASA”, um romance a (re)ler.

Ora, o Alfredo Augusto Margarido, morreu silenciosamente no dia 13 de Outubro, aos 82 anos. E esse silêncio faz-me pensar que até já os correlegionários perderam a memória.

16.10.10

Na hora…

Por vezes, em dia de balanço, acordamos cáusticos, com vontade de zancar nos fornecedores de serviços que nos prometem mundos e fundos para depois nos cobrarem o que, ingenuamente, acreditámos não dever. No caso, a Portugal Telecom que me prometeu uma migração simples (e livre de encargos) do sapo adsl para o sapo fibra, e que me fez perder  paciência e horas, senão dias, de reclamações para que o serviço ficasse a funcionar em condições. Foi mesmo necessário solicitar o livro de reclamações para que a situação fosse encarada com alguma seriedade. Foram 8 dias sem telefone e 5 sem acesso à internet. E 100 euros pelo equipamento e instalação! E porquê?

Porque a PT é como um grupo de actores sem encenador. Cada um interpreta o texto de acordo com o seu estado de alma, estando-se nas tintas para o autor e, sobretudo, sem se preocupar em ‘dar a deixa’ àqueles com quem deveria contracenar. Actores esses que, no caso da PT, como, por exempo, está a acontecer com a elaboração do OGE, representam em palcos simultâneos, mas distantes. Falta-lhes o encenador. O maestro.

Por isso a primeira causa da decadência é organizacional. A segunda é a inveja.

E é esta segunda causa que me leva à crónica de TV do DN “J de Judite, J de Justiça”, assinada por Nuno Azinheira, em tempos meu aluno. Gosto da clareza com que escreve e, sobretudo, da justeza do pensamento: «Reconhecer que há alguém mais competente, mais produtivo e melhor do que nós é uma coisa que nos incomoda. Está-nos sangue. E é por isso que continuamos assim. Tristes e amargurados. E incompetentes

O Nuno já não se lembrará, mas no tempo em que nos cruzámos, o professor de Português começava inevitavelmente a abordagem de OS LUSÍADAS pelo comentário do Prefácio de Garcia de Resende, inserto no Cancioneiro Geral. E lá estava  a marca do «sangue» que impedia os portugueses de escreverem , na hora certa, a epopeia merecida: «Todos estes feitos e outros muitos doutras sustâncias nam sam devulgados como foram, se gente doutra naçam os fizera. E causa isto serem tam confiados de si, que não querem confessar que nenhuns feitos são maiores que os que cada um faz e faria, se nisso o metessem.»

Hoje, apesar da desorganização e da inveja, ainda vislumbro nas palavras do Nuno Azinheira um sinal de esperança.