No meu caso, é grave que só agora tenha lido O Coração das Trevas (1902), de Joseph Conrad (Józef Teodor Konrad Korzeniowski (1857-1924). Sempre soube que muitos escritores conseguem a atenção dos leitores mesmo que as suas obras não evidenciem um conhecimento experimentado da realidade descrita. Muitas dessa obras tornaram-se manifestos de ideologias colonialistas e anticolonialistas e, em torno delas, foram tomadas muitas decisões com efeitos perniciosos…
Ao ler O Coração das Trevas, entendi que, antes de muitos outros autores que se debruçaram sobre a colonização de África nos séculos XIX e XX, deveria ter lido a obra de Joseph Conrad. Se o tivesse feito teria poupado tempo e teria encontrado uma síntese do comportamento previsível do colonizador. Marlow e, sobretudo, Kurtz representam a abordagem interna de quem avança no território do outro de modo a submetê-lo pela palavra – A VOZ; A Companhia (e seus Administradores) representa a abordagem externa de quem, pela força das armas, vai tomando a pulso o território e eliminando o outro (o inimigo). Se no último caso, tudo se resolve pela eliminação, no primeiro, a VOZ tudo explica até a alienação do outro, em seu claríssimo prejuízo…
E assim se justifica que Kurtz tenha descoberto, no fundo da sua consciência, o HORROR. Quanto à Companhia, nada é preciso dizer, pois ela no lugar da consciência colocou, desde o início, o MARFIM… a pimenta, o açucar, o ouro, o petróleo, o ópio!
E se, no meu caso, foi insensato pretender ensinar alguma coisa a alguém sobre ‘literaturas africanas’ sem ter lido O Coração das Trevas, o que pensar sobre todos aqueles que tomaram decisões ao longo do séc. XX sobre o futuro de África?
Hoje, interrogo-me cada vez mais se há princípios capazes de justificar as opções de leitura.
Os melhores «princípios capazes de justificar as opções de leitura» resultam, por vezes, do Acaso.
ResponderEliminarEsta colecção dos DN/JN, saída neste verão a um bom ritmo, dá-nos prendas fabulosas.
A última descoberta recaiu em "A Ruiva", de Fialho de Almeida. (pelo meio, e fora desta colecção, impuseram-se "O Devorador de Livros", de A. Vitorino D'Almeida, "A Encomendação das Almas" e "O Jardim das Delícias" de João Aguiar, e, agora, do mesmo autor, "Inês de Portugal")
Depois, e porque a cabeça me não permite largas leituras, regressarei aos contos (ainda por cima gratuitos) que vou acumulando, e a autores que desconheço quase por inteiro, como o Süskind, o Stevenson, o Quiroga, o Conrad ou o Hermann Broch; ou a outros que me são mais familiares como Victor Hugo, Walter Scott, Duras, Tolstoi, Dostoievsky, Borges... e, claro, Herculano ou Eça. Regressarei, portanto, a contos curtos e, dir-se-á, essenciais.
Descobertas que, em determinada idade e com determinadas vivências, comprovam a nossa ampla ignorância.
Parafraseando Pessoa, mutatis mutandis, "Ler incomoda como andar à chuva", sobretudo quando, ao lermos, nos reconhecemos cada vez mais ignaros.
E custa mais ainda sabermos o pouco tempo que temos, e como o gastamos com tanta inutilidade, com tantas palavras bonitas à espera de luz... à espera de um Acaso...