( Para a Teresa Belo e para os meus alunos de Literatura)
Já sabíamos que havia um deus desconhecido (Ignoto Deo) na poesia de Almeida Garrett e de Antero de Quental, hoje encontrei-o em ÚLTIMA VONTADE de Ruy Belo:
Quando a sereia se ouvir
no coração desolado como uma cidade
recorda que te procurámos através das árvores
E tu escondias-te por trás dos frutos
e recolhíamos as mãos
cheias apenas de tempo
Sempre brincaste connosco
desde os dias da nossa juventude
Puseste-nos nos olhos
estação sobre estação e a vida dava as mãos
de árvore para árvore à volta da terra
Ia de ramo morto para ramo vivo
como um pássaro mais e nós ríamos
na tua transparência
Fechem-se-te agora os lábios
sobre a palavra que somos
Perdoa se algum dia
errámos com o coração
Não nos deixes morrer longe de jerusalém
Leio e no lugar da sereia vejo a harpia! Mas o Poeta prefere a sedução mesmo quando a desolação lhe enche o coração perdido na cidade ( a triste cidade humana nunca será capaz de substituir a natureza celestial!).
E deus está lá desde sempre, nos frutos, no tempo... escondido, invisível e, indiferente à fraternidade dos homens, brinca com eles, estende-lhes os dias até...
E o Poeta descobre o jogo do deus desconhecido, vê-o nas palavras e com elas suplica que, apesar da eventual falta de comunhão, não nos deixe morrer longe das portas de Jerusalém, da terra prometida...
O deus escondido mora nas estações, nos ramos das árvores, nos frutos, no tempo... e não precisa de qualquer templo!
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