22.6.14

A Madona, de Natália Correia

A Madona, de Natália Correia, é um romance que exige do leitor atenção redobrada.
O título deve a sua origem ao estatuto social da protagonista, Branca. Madona (do latim, mea domina), figura senhorial que, como norma de vida, quer submeter o homem: « Eu acabava de fazer uma descoberta que satisfazia o que quer que fosse que emprestava à minha alma soturna beleza de uma flor carnívora. Torturar um homem! Reduzir a cinzas a sua força bruta! Uma gruta cuja escuridão ia explorar.»
Esse programa é cumprido na exploração mental e física de Miguel, do Anjo e de Manuel - que acabará por se suicidar. Este suicídio é, por outro lado, a expressão da (im) potência da ruralidade portuguesa. Branca reduz Manuel a um objeto bestial, incapaz de compreender que a domina é estatutariamente mais forte que o vil servo...
A autora, neste romance, evita a contextualização histórica e geográfica, apesar de criar um lugar bem português - Briandos. Um lugar onde as ménades (bacantes) e as erínias (fúrias) se procuram libertar das grilhetas masculinas, à semelhança do que vai acontecendo um pouco por todos os lugares europeus percorridos por Branca...
E tudo decorre, sob a forma de evasão do torrão natal, até que Ereshkigal (divindade suméria, rainha da terra do não retorno) dite a sua lei.
Sob os fumos de Maio de 68, Natália Correia pratica uma escrita densa, elaborada, barroca, surrealista, intimista, feminista, em que as personagens se encontram ora em fase de construção ora em fase de demolição identitária pessoal e cultural. E, sobretudo, esta escrita foge à ideologia explicita, deixando- nos navegar em turbulentas águas míticas que nos levam dos mitos cristãos aos sumérios, com passagem obrigatória pelos greco-romanos...  A sua escrita é simultaneamente crua e suculenta...
Autor: MCG

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