28.6.14

Desperdício de livros

«O resultado do discernimento é essa obra que impõe o seu próprio termo: quando o caixote transborda está concluída, e então, mas só então, o seu conteúdo é desperdício.» Javier Marías, Todas as Almas

Estou aqui a olhar para centenas de livros mal arrumados; se der mais dois passos, encontro mais uma ou duas centenas; na garagem, já lhes perdi a conta... Verifico que já há títulos repetidos. Passei a tarde, a desempoeirá-los e fui me apercebendo de que não terei tempo para os ler todos ou para repetir a leitura. 
Não sei quanto investi, mas estou consciente de que não soube tirar partido da riqueza que estes livros, se devidamente partilhados, poderiam trazer...
Fechados e empoeirados, estes livros são a expressão de um desajustamento. A cada dia que passa, sinto que desperdicei demasiado em trabalhos que me limitaram  o tempo de leitura, o tempo de partilha da leitura...
E a minha perturbação cresce todas as vezes que entro numa biblioteca para desempenhar qualquer outra tarefa diferente daquela que o lugar exige. Ao meu lado, à minha volta, altas estantes emudecidas permanecem sem que uma chave abra uma daquelas portadas... e eu olho-as, pesaroso, por nada fazer que silencie as vozes que me entontecem...
Chego a compreender os incendiários de pequenas e grandes bibliotecas tal é a minha revolta: uns não leem porque não querem, outros fingem que leem, há ainda os que apenas leem o que lhes convém e o pior é que há quem esteja impedido de ler...
O desperdício é tanto maior quanto venho de um lugar e de um tempo onde os livros eram  raros, os jornais e as revistas inexistentes!

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