Que diz o poeta que nos desmonta
As máscaras com que nos defendemos?
Brinca no sofrimento ao faz-de-conta
E chora os ridículos fundamentos que temos.
Acredito o quão perigosa é esta arte
para as certezas que envolvem a personalidade;
O intruso penetra-nos e, depois, põe-se de parte,
Que nem nos apercebemos de tal agilidade.
A descoberto fica a alma que nos sustenta,
Desprotegida para a sensibilidade perigosa
Daquele que nos atrai numa sedução lenta
À falsa intimidade da maleabilidade que goza.
E nós confiantes em quem nos compreende,
Seduzidos pela visão que nos traz a resposta,
Perseguimos a razão que nossa alma depreende
E confundimos a individualidade que nos é suposta.
Quem nos obriga a ter uma maneira de ser,
Corpo ou nome que nos matam o infinito?
O poeta responde que tudo flui do padecer
Das emoções que nos interceptam em delito.
Identificamo-nos com as sugestões que creditam,
Dentro de nós, a confiança na sensibilidade;
Vivam os poetas que não nos acreditam
Mas que nos projectam para dentro da nossa realidade.
VIII
Quero dar cor a cada palavra,
E melodia ao que eu digo;
Mas o que penso é força que lavra
A terra árida que eu mendigo.
IX
O mar é o eco do movimento,
Desassossego pleno de vaivém,
Tão inquieto como o meu tormento
Que me tortura a chaga que lhe convém.
Sedenta minha angústia reflecte-se
Sentindo minha alma sempre assim;
A saudade prolonga e compromete-se,
Repete-se o mesmo mar dentro de mim.
IX
Meus olhos crescem
No meu sonho que se evidencia,
Quero ser mais completo
D'amor de mãe ou de maresia.
Quero fazer por amar
Sem engolir o fruto,
Rejubilar sem vergonha
Pleno do reflexo que é bruto.
Os fragmentos são sociais:
- Pára! Será que existes?
Sem qualquer tentativa
É outono e tu desistes.
Com tanto para amar
Adoptei eu a ironia:
Defendo ser incapaz
Mas nem tento essa sintonia.
Como me refaço
De tal anomalia
Se insatisfeito me reprimo
E me mato em hipocrisia?
O jogo é eterno sedutor
Para quem se conhece na fraqueza;
Reconheço a minha pobre aptidão
Pois meus olhos cresceram na incerteza.
X - ( Transcrito pela 1ª vez no dia 17 de junho de 2006, em CARUMA - sem qualquer efeito...)
Não sei ao que me disponho
Nesta angústia que me enlaça;
O tempo é só o que a alma passa
E eu só quero viver outro sonho.
Já não sei mais amar esta vida
Nem defender o que ela me oferece;
Minh'alma mora num corpo que arrefece
Favorecendo esta mágoa tão sentida.
Sou uma substância inerte em peso
Cujas qualidades se perderam na viela
Onde supus uma luz, a mais bela,
Mas que escureceu meu coração indefeso.
Já nem sei bem o que é sofrer;
Acabo por não ter o que me enlaça
E, cadáver rejeitado só de massa,
Esqueço a fonte que me fez viver.
XI
Procuro no mar o meu empobrecer:
- Será que à minha vida virá o ser,
Que ontem fui, à procura do infinito?
Caio no desespero e já não acredito.
Fui pleno e belo no meu acontecer,
Mas já sou o que está a morrer;
Trago o tédio que me faz demorar,
Pois sou a lágrima que não sabe chorar.
Vítima do que fui eu não errei
(Socorro! Socorro!Que já não sou rei!).
Já não sei da razão do meu existir,
Quero poder e já só sei desistir.
Já não há vontade que me iluda,
Até a verdade se tornou absurda.
Projecto um mundo menos rico,
A fortuna passa e eu justifico.
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