21.8.14

Abílio Jorge Cosme (iiii)

XVI

Perco-me na esperança de ser alguém
A quem a vida instruísse por aparências
Os símbolos da comunhão interna do além
Que são dentro de nós falsas demências.

Se o que hoje é confuso o amanhã o explica,
porque é que não adormece a minha mente,
Que está tão inquieta a desmontar a sua réplica,
E amanhece noutra visão de carácter diferente?

Este é o carma que me traz contrariado
Pois não estou contente com os donos do absoluto;
Dizem que são traumas, mas eu estou só avariado
Por ter neste teste um código irresoluto.

A vida é quem nos dá a propriedade distinta,
Mas a mim a vida deu-me uma insatisfação tão ingrata
Que me mata num laboratório aos trinta,
Com sedativos e relaxantes, e não me trata.

Cobaia é como me sinto, dentro da jaula,
À espera de vez para ser mais um teste;
Só espero estar livre, findando a aula,
Desta minha pele, identidade cruel que me veste.

Muito já eu aprendi sem julgar ninguém:
Dentro de mim perco-me num labirinto
De emoções explicadas em termos que seguem
Não só o que eu penso mas mais o que eu sinto.

Se na alma a vontade de ser eu amarga,
Que outro poderia ser que mais me agradasse?
Apercebo-me agora do conteúdo desta descarga:
- Aceitem-me, por favor!   ... E a fusão dá-se!

XVII

No teu rosto pairam dúvidas,
As mesmas que a tua alma concebe;
Só que ao teu ser são repetidas
Na plenitude em que ele as recebe.

No teu rosto flamejam ânsias
Dirigidas pela tua alma inquieta;
Para o teu ser não há distâncias
Tudo é já, numa visão concreta.

No teu rosto apelam saudades,
Alma que retém o que não ficou;
No teu ser são tudo eternidades,
Auges que o acaso gratificou.

A tua realidade está presente:
O teu ser é trigo, bago a bago,
Que nutre a alma carente.
No teu rosto resta o meu afago.

XVIII

Pela resistência do teu sentimento
Na paciência que me dedicaste:
Amaste! Mas deixaste no convento,
Sem alento, meu coração em desgaste.

Sofro o desencontro na saudade,
Mas ainda invisto seguro no destino,
Pois acredito que toda a casualidade
Se revelará mais tarde em ensino.

Minha ausência foi próxima à fuga
Da amálgama de contrastes indefinidos;
Só agora minha esperança o olhar enxuga
Da distância em que meus olhos morriam perdidos.

Talvez teu pensamento nada diga à minha razão,
Ou teu corpo esteja deformado à minha imagem,
Ou não haja mais fervor para a nossa fusão,
Ou seja só eu debitando uma nova coragem?

Não sei se medito a culpa se a frustração?
Só depois do Inverno a Primavera se estabelece,
Resplandecentemente, ciente de que é a nova estação;
Assim fosse o ciclo deste coração que se esclarece.

Trago a afeição acorrentada à carência
Daquela paixão única que levaste contigo;
Só as vivas memórias dessa experiência
Me preenchem ainda que para meu castigo.

XIX

Trágica foi aquela noite
Nas verdades que me disseste:
Foi o espelho, foi o açoite...
Rasgaram-me ... E tu morreste.

Recusei-me crescer até ti;
Cobarde, meu coração ainda dói.
Naquela noite eu não senti,
Mas o amor é quem constrói.

Foi cruel minha vaidade
(Palavras julgaram por nós);
Decidiu-se na meia verdade
O silêncio que nos sufocou a voz.

Desde aí, é nesse silêncio vão
Que minha mágoa deposita
A força da incompreensão.

Se eu pudesse voltar atrás
Mostrava-te o medo que me habita
E que me impossibilita de estar em paz.

Essa paz que tu hoje és.
E eu aqui ainda na ânsia
Beijo teus mortos pés
Para matar a dor desta distância.

XX

Viver é ser pleno do seu sonho,
Iludir-se pelo ínfimo mais deserto;
Amar é preencher e dar tamanho,
Acreditar esse sonho mais de perto.

XXI

Sonhei que eras um Sol
Num outro sistema planetário,
Originavas as estações do ano
Mas num outro calendário.

De manhã: um brilho azul.
Ao te pores: um mais violeta;
E davas uma vida breve
Ao sétimo planeta.

Harmonizavas a natureza
Daquela terra sem nome:
Eras a mãe da sua beleza,
Eras o pão para a sua fome.

Era daí que eu te admirava
Todos os dias com devoção,
Ansiava meu pequeno ser
Chamar a tua atenção.

Certo dia cedo morri
Empedrado de absoluto;
Fizeste-me em segredo
Um eclipse no teu luto.

Meu sonho transfere-me:
Acordo a teu lado,
Chamo-te por menina:
Desculpa ter-te acordado.

Fixaste os meus olhos
Contrariamente feliz;
Reparei então nos teus
Uma expressão que sempre diz:

" - Estou aqui! Sou eu!"
Não morri! Estou a vê-la!
Seu brilho ainda cintila
No teu olhar, minha estrela.

XXII

Quanto custa pôr um sorriso no teu olhar?
A noite vem devagar amordaçar-me de beijos,
Arrefece lá fora e eu por dentro a fervilhar
Aqueço os abraços que nos fundem como desejos.

Esqueço que este planeta tem rotação,
O mundo pára na expectativa do momento:
O meu mar invadiu o teu em turbilhão
Tornando-nos no mais belo espelho do firmamento.

Surgem das cinzas sorrisos incandescentes,
Voltam as estrelas aos céus cintilantes,
Sente-se a fé, no eco dos meus olhos crentes
Criar o dia da luz para os ensejes delirantes.

Teu mundo renasce para que o meu se recomponha.
Dou sem negar, nenhuma sofreguidão me assusta;
Sou árvore eterna, sou auge que a alma sonha.
E um sorriso no teu olhar, quanto custa?







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