15 de fevereiro de 1994
Regresso a um
tema recorrente. Todas as características da minha técnica narrativa atual (eu
preferiria dizer do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o
qual todo o dito se destina a ser ouvido. Quero com isto significar que é como
narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas
tanto para serem lidas como para serem ouvidas. Ora, o narrador oral não usa
pontuação, fala como se estivesse a compor uma música e usa os mesmos elementos
que o músico: sons e pausas, altos e baixos, uns, breves ou longas, outras.
Certas tendências, que reconheço e confirmo (estrutura barroca, oratória
circular, simetria de elementos), suponho que me vêm de uma certa ideia de um
discurso oral tomado como música. Pergunto-me mesmo se não haverá mais do que
uma simples coincidência entre o carácter inorganizado e fragmentário do
discurso falado de hoje e as expressões “mínimas” de certa música
contemporânea.
José Saramago,
Cadernos de Lanzarote
Hoje, recorro a José Saramago para combater o argumento da ilegibilidade, por exemplo, de MEMORIAL DO CONVENTO.
Apesar do parágrafo ser curto, continuará a haver quem prefira nem OUVIR nem LER em VOZ ALTA.
No âmago da rejeição estará certamente o modo como na infância o contador / inventor de histórias foi substituído pelo leitor, matando definitivamente o NARRADOR ORAL - o rapsodo (poeta popular, ou cantor, que ia de cidade em cidade recitando poemas épicos).
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