15.9.14

Carta de Maria de Lurdes Rodrigues

Apesar da desvalorização profissional e salarial a que os professores foram submetidos, publico esta Carta porque sempre tive a sua autora como uma mulher trabalhadora, determinada e honesta.

Como acontece frequentemente na atividade política (e não só), a consciência pessoal não é determinante: a rede de interesses e de influências esmaga a determinação e a honestidade do decisor, sem que este consiga romper a malha que o aprisiona...
Em política, não há mãos limpas!

Carta enviada hoje por Maria de Lurdes Rodrigues em reacção à sentença da Justiça:

Posição sobre a sentença
1. A sentença proferida neste caso é de uma enorme injustiça. Reafirmo que não cometi qualquer crime e que não desisto de lutar para que se apure a verdade e seja feita justiça. Tenho grande orgulho em ter servido o meu país como ministra da Educação e de, em todos os momentos, ter dado o meu melhor na defesa do interesse público. Regressei à minha atividade profissional no ensino e na investigação e tenho orgulho do trabalho que entretanto realizei. Nunca me dediquei a traficar influências ou favores. Vivo hoje, como no passado, exclusivamente do meu trabalho.
2. Fui acusada do crime de prevaricação de titular de cargo público por, alegadamente, ter beneficiado João Pedroso solicitando-lhe um trabalho jurídico que não seria necessário, através de procedimento ilegal. Ignorando-se o que se passou no julgamento, daquelas acusações resultou a minha condenação. Ora, no julgamento fez-se a prova de que: — o trabalho era necessário. As testemunhas ouvidas, incluindo quatro ex-ministros da Educação (dois de governos do PS e dois de governos do PSD ou PSD/CDS), confirmaram a necessidade e importância do trabalho solicitado e a inexistência de recursos jurídicos internos para o realizar; — as decisões por mim tomadas foram legais. Fazem parte do processo um relatório do Tribunal de Contas e um parecer jurídico do Professor Mário Esteves de Oliveira que demonstram a legalidade dos atos por mim praticados; — eu não conhecia João Pedroso, não tinha com ele relações de amizade, profissionais ou outras, nunca tinha desenvolvido com ele qualquer atividade profissional ou política nem tinha, com ele, qualquer afinidade político-partidária.
3. Além de injusta, esta sentença é de enorme gravidade, constituindo um precedente que põe em causa princípios básicos do Estado de direito e do regime democrático. De facto: — fui condenada sem qualquer prova direta da acusação que me foi feita (como foi, aliás, reconhecido pelo próprio Procurador nas suas alegações 2 finais). Para a prática do crime de prevaricação é necessário que o titular de cargo político tenha decidido conscientemente contra o direito e com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. No julgamento não houve uma única testemunha nem existe um único documento que indique ter eu agido com consciência de não cumprir a lei. Pelo contrário, ficou provado que decidi com base em pareceres dos juristas do Ministério. Como não houve a mínima prova de que tivesse intenção de beneficiar a pessoa contratada. Faz parte do processo um parecer do Professor Figueiredo Dias que, analisando os factos e argumentos da acusação, confirma a inexistência, neste caso, de qualquer crime; — a fundamentação da sentença viola o princípio da separação de poderes. As instituições de justiça podem e devem julgar a legalidade ou ilegalidade dos atos praticados, não a sua necessidade ou justificação política; — houve, neste caso, uma instrumentalização da justiça no âmbito de conflitos político-partidários. A ideia do putativo crime nasceu na Assembleia da República em 2008, com intervenções de deputados do PSD e do PCP. Foi, aliás, um deputado do PCP que apresentou, na Procuradoria, a denúncia caluniosa em que todo este caso se baseia; — a argumentação usada pelo Ministério Público na acusação, bem como pelo tribunal durante o julgamento, revelam a existência de preconceitos sobre os políticos, em particular sobre os políticos que exerceram ou exercem cargos governativos.
4. Lamento que, no Portugal democrático e num Estado de Direito, seja possível usar o sistema de justiça para perseguir pessoas apenas porque exerceram cargos políticos ou porque, nesse exercício, defenderam escolhas políticas diferentes das dos queixosos, ou dos instrutores, ou dos julgadores. O sistema de justiça existe para apurar e provar inequivocamente a prática de crimes, não para perseguir pessoas cujo único “crime” terá sido o de aceitar o desafio de servir o seu país. Continuarei a lutar pela minha absoluta absolvição, eu que não devia ter sequer sido acusada. Continuarei a lutar pela verdade e pela reposição da justiça a que tenho direito.
Lisboa, 15 de Setembro de 2014 
Maria de Lurdes Rodrigues

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