Apesar da desvalorização profissional e salarial a que os professores foram submetidos, publico esta Carta porque sempre tive a sua autora como uma mulher trabalhadora, determinada e honesta.
Como acontece frequentemente na atividade política (e não só), a consciência pessoal não é determinante: a rede de interesses e de influências esmaga a determinação e a honestidade do decisor, sem que este consiga romper a malha que o aprisiona...
Em política, não há mãos limpas!
Carta enviada hoje por Maria de
Lurdes Rodrigues em reacção à sentença da Justiça:
Posição
sobre a sentença
1. A
sentença proferida neste caso é de uma enorme injustiça. Reafirmo que não
cometi qualquer crime e que não desisto de lutar para que se apure a verdade e
seja feita justiça. Tenho grande orgulho em ter servido o meu país como
ministra da Educação e de, em todos os momentos, ter dado o meu melhor na
defesa do interesse público. Regressei à minha atividade profissional no ensino
e na investigação e tenho orgulho do trabalho que entretanto realizei. Nunca me
dediquei a traficar influências ou favores. Vivo hoje, como no passado,
exclusivamente do meu trabalho.
2. Fui acusada do crime de prevaricação de titular de cargo público
por, alegadamente, ter beneficiado João Pedroso solicitando-lhe um trabalho
jurídico que não seria necessário, através de procedimento ilegal. Ignorando-se
o que se passou no julgamento, daquelas acusações resultou a minha condenação.
Ora, no julgamento fez-se a prova de que: — o trabalho era necessário. As
testemunhas ouvidas, incluindo quatro ex-ministros da Educação (dois de governos
do PS e dois de governos do PSD ou PSD/CDS), confirmaram a necessidade e
importância do trabalho solicitado e a inexistência de recursos jurídicos
internos para o realizar; — as decisões por mim tomadas foram legais. Fazem
parte do processo um relatório do Tribunal de Contas e um parecer jurídico do
Professor Mário Esteves de Oliveira que demonstram a legalidade dos atos por
mim praticados; — eu não conhecia João Pedroso, não tinha com ele relações de
amizade, profissionais ou outras, nunca tinha desenvolvido com ele qualquer
atividade profissional ou política nem tinha, com ele, qualquer afinidade
político-partidária.
3. Além de
injusta, esta sentença é de enorme gravidade, constituindo um precedente que
põe em causa princípios básicos do Estado de direito e do regime democrático.
De facto: — fui condenada sem qualquer prova direta da acusação que me foi
feita (como foi, aliás, reconhecido pelo próprio Procurador nas suas alegações
2 finais). Para a prática do crime de prevaricação é necessário que o titular
de cargo político tenha decidido conscientemente contra o direito e com
intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. No julgamento não houve uma única
testemunha nem existe um único documento que indique ter eu agido com
consciência de não cumprir a lei. Pelo contrário, ficou provado que decidi com
base em pareceres dos juristas do Ministério. Como não houve a mínima prova de
que tivesse intenção de beneficiar a pessoa contratada. Faz parte do processo
um parecer do Professor Figueiredo Dias que, analisando os factos e argumentos
da acusação, confirma a inexistência, neste caso, de qualquer crime; — a
fundamentação da sentença viola o princípio da separação de poderes. As
instituições de justiça podem e devem julgar a legalidade ou ilegalidade dos
atos praticados, não a sua necessidade ou justificação política; — houve, neste
caso, uma instrumentalização da justiça no âmbito de conflitos
político-partidários. A ideia do putativo crime nasceu na Assembleia da
República em 2008, com intervenções de deputados do PSD e do PCP. Foi, aliás,
um deputado do PCP que apresentou, na Procuradoria, a denúncia caluniosa em que
todo este caso se baseia; — a argumentação usada pelo Ministério Público na
acusação, bem como pelo tribunal durante o julgamento, revelam a existência de
preconceitos sobre os políticos, em particular sobre os políticos que exerceram
ou exercem cargos governativos.
4. Lamento
que, no Portugal democrático e num Estado de Direito, seja possível usar o
sistema de justiça para perseguir pessoas apenas porque exerceram cargos
políticos ou porque, nesse exercício, defenderam escolhas políticas diferentes
das dos queixosos, ou dos instrutores, ou dos julgadores. O sistema de justiça
existe para apurar e provar inequivocamente a prática de crimes, não para
perseguir pessoas cujo único “crime” terá sido o de aceitar o desafio de servir
o seu país. Continuarei a lutar pela minha absoluta absolvição, eu que não
devia ter sequer sido acusada. Continuarei a lutar pela verdade e pela
reposição da justiça a que tenho direito.
Lisboa,
15 de Setembro de 2014
Maria de
Lurdes Rodrigues
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