15.6.14

A época é de pasmaceira e coincide com os exames

O sol cega, o calor mata a leitura - a época é de pasmaceira e coincide com os exames...
Consciente da inutilidade das letras, registo, em mofina hora, excertos de Vieira, Garrett, Pessoa, Ruy Belo. Por razões nem sempre distintas, todos estes excertos deveriam merecer a (nossa) atenção: o ofício do escritor, a intencionalidade, a expressividade dos recursos estilísticos, a tipologia textual, a visão do mundo (a identidade e a alteridade; a temática de cada um, em termos de convergência e divergência)...   

A - «Perguntado um grande filósofo qual era a melhor terra do mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe. Se isto vos pregou também Santo António, e foi este um dos benefícios de que vos exortou a dar graças ao Criador, bem vos pudera alegar consigo que, quanto mais buscava a Deus, tanto mais fugia dos homens. Para fugir dos homens deixou a casa de seus pais e se recolheu ou acolheu a uma religião onde professasse perpétua clausura. E porque nem aqui o deixavam os que ele tinham deixado, primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal. Para fugir dos homens, mudou de hábito, mudou o nome, e até a si mesmo mudou, ocultando sua grande sabedoria debaixo da opinião de idiota, com que não fosse conhecido nem buscado, antes deixado de todos, como lhe sucedeu com seus próprios irmãos no capítulo geral de Assis. Dali se retirou a fazer vida solitária em um ermo, do qual nunca saíra, se Deus como por força o não manifestara; e por fim acabou a vida em outro deserto, tanto mais unido com Deus quanto mais apartado dos homens.»

B - «MANUEL - Para mim aqui está esta mortalha (tocando no hábito) morri hoje... vou amortalhar-me logo; e adeus tudo o que era mundo para mim! Mas minha filha não era do mundo... não era Jorge; tu bem sabes que não era: foi um anjo que veio do céu para me acompanhar na peregrinação da terra, e que me apontava sempre, a cada passo da vida, para a eterna pousada donde viera e onde me conduzia...»

C - «Senhor, a noite veio e a alma é vil. / Tanta foi a tormenta e a vontade! / Restam-nos hoje, no silêncio hostil, / O mar universal e a saudade.»

D - «Se às vezes digo que as flores sorriem / E se eu disser que os rios cantam, / Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores / E cantos no correr dos rios... / É porque assim faço mais sentir aos homens falsos / A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.» 

E - «Deixai que em suas mãos cresça o poema / como o som do avião no céu sem nuvens / ou no surdo verão as manhãs de domingo / Não lhe digais que é mão-de-obra a mais / que o tempo não está para poesia  //(...)// Chorai profissionais da caridade / pelo pobre poeta aposentado / que já nem sabe onde ir buscar os versos / Abandonado pela poesia / oh como são compridos para ele os dias / nem mesmo sabe onde pôr as mãos /»

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